Cotiporã tem uma população de pouco mais de quatro mil habitantes. Tirando algumas edificações que sumiram para dar espaço a novos empreendimentos, a cidade não está muito diferente da época em que o porto-alegrense Gustavo Spolidoro passava feriados prolongados por lá visitando a avó.
As viagens que faziam o garoto trocar o cenário urbano pelo ambiente rural e com sotaque italiano marcaram sua memória, que agora se revigora em forma de homenagem no longa-metragem Os Dragões. Spolidoro está de volta a seu reduto interiorano preferido e, desta vez, faz dos moradores de Cotiporã protagonistas da história sobre adaptações e crises geracionais.
— Desde que nasci, venho para cá. Tem vários parentes, vários primos que vão aparecer no filme. Sempre tenho vontade de fazer projetos aqui — disse o diretor no set das filmagens, encerradas no começo de outubro.
Spolidoro — diretor de Ainda Orangotangos (2007), primeiro longa-metragem em plano-sequência do Brasil — já havia filmado em Cotiporã Morro do Céu (2009), longa em que misturou documentário e ficção para acompanhar a vida de um jovem ruivinho cheio de sonhos: Bruno Storti, que acabou sendo importante também para a formatação de Os Dragões.
Depois de Morro do Céu, Spolidoro ficou bastante próximo de Bruno e acompanhava de perto as apresentações dele com o grupo de teatro Arte in Cena, bastante atuante na cidade. A morte precoce do jovem ator (tinha 24 anos) num acidente de trânsito, em 2017, mudou os planos do diretor para seu próximo filme. A história acabou ganhando contornos de realismo fantástico inspirado em contos do autor mineiro Murilo Rubião. O papel de protagonista, que seria de Bruno, ficou com uma menina.
— Era um projeto que eu tinha com o Bruno. Não era exatamente sobre adolescentes, mas jovens adultos. Com o falecimento dele, resolvi mudar o personagem principal, não via mais um menino fazendo aquele personagem — afirmou Spolidoro.
A nova protagonista, Lóren Maite Panizzi, 16 anos, e os outros quatro personagens principais são integrantes do grupo de teatro do qual Bruno fazia parte. Aliás, todos os 22 integrantes da Arte in Cena aparecerão no filme, única “exigência” feita ao cineasta pela diretora do grupo, Adriana Titon Balotin.
— Pedi que todos pudessem participar. É um presente e um reconhecimento. A gente se emociona em ver a capacidade dessa gurizada — destacou Adriana, cotiporanense envolvida com teatro na cidade desde 1996.
Cotiporã preenche Os Dragões de muitas formas. As paisagens e as pessoas que lá vivem formam um mosaico sobre a amizade e a passagem da adolescência para vida adulta. Experiências que o próprio Spolidoro, 46 anos, viveu ali:
– Guardo muitas das coisas que construí na minha transformação da adolescência para a fase adulta, e é isso que estou filmando aqui. Minha consciência política e de um monte de coisa ainda é a mesma. A Dani (personagem da Lóren) é um alter ego meu, e o Jacó (vivido por Paulo Reginatto Sbardelotto) também. É como se fossem uma mistura do que sou e fui.
Com roteiro de Spolidoro e Gibran Dipp, Os Dragões é uma produção da GusGus Cinema com distribuição da Lança Filmes. O caxiense Bruno Polidoro assina a fotografia. A estreia está prevista para 2020.
Clube dos cinco
Em outubro de 2017, o diretor Gustavo Spolidoro fez um anúncio que deixou os integrantes da companhia teatral Arte in Cena num misto de animação, expectativa e nervosismo. Para cinco adolescentes do grupo, no entanto, o susto foi ainda maior. Lóren Maite Panizzi, 16 anos, Paulo Reginatto Sbardelotto, 18, Raphael Luciano Scarton, 16, Larissa Tres, 16, e Juliana Zardo, 16, descobriram que seriam os protagonistas do longa-metragem Os Dragões.
— Fiquei em choque porque ele (Spolidoro) só tinha visto um trabalho que eu tinha apresentado no teatro. Eu era uma porta (risos) — diz Lóren, que vive Dani, a líder do quinteto.
Para definir os papeis, o diretor fez entrevistas conversando sobre a história pessoal de cada um.
— A gente aprende mais de nós mesmos a partir dos personagens. Vejo muito de mim no Jacó, ele passou por coisas que eu passei — conta Paulo.
A história acompanha cinco adolescentes que, confrontados com o medo da vida adulta e com o desafio de encenar uma peça de teatro, enfrentam mudanças que os levam a adquirir características de dragões.
Enquanto os atores principais de Os Dragões cruzam pelos desafios da adolescência na ficção e na vida real, Spolidoro traça um paralelo com sua própria história:
— Esse filme é para um adolescente do tipo que também fui, que procurava algo diferente, que ouvia a rádio Ipanema e não a Cidade. Numa turma de 30 alunos, é para aqueles cinco que querem outra coisa.