Responsável por animações como A Era do Gelo e Rio, o carioca Carlos Saldanha foi o grande homenageado da noite de sábado (18), pelo 46º Festival de Cinema de Gramado. Ele recebeu o prêmio Eduardo Abelin no Palácio dos Festivais, das mãos do animador gaúcho Otto Guerra. Em seu discurso, o cineasta ressaltou se sentir orgulhoso pelo reconhecimento no Brasil:
— Minha carreira foi feita toda lá fora. Quando tenho reconhecimento no Brasil, fico muito feliz.
Ele exaltou Otto, dizendo se sentir gratificado pelo fato de animação A Cidade dos Piratas, do cineasta gaúcho, estar concorrendo na mostra competitiva:
— Todos nós queremos contar boa histórias, não importa como.
Com 53 anos, já obteve duas indicações ao Oscar: em 2018, com O Touro Ferdinando na categoria de Melhor Animação, e em 2004, com A Aventura Perdida de Scrat como Melhor Curta de Animação.
Trabalhando pelo Blue Sky Studios, Saldanha é o cineasta brasileiro mais visto no mundo: os sete filmes que dirigiu nos Estados Unidos já arrecadaram um total de US$ 3,4 bilhões nas bilheterias. Nascido no Rio, essa é sua segunda pssagem pela cidade de Gramado. A primeira foi aos nove anos, época em que vivia no Alegrete — Saldanha morou por dois anos no município gaúcho.
— Quando saíamos de carro do Estado, minha família sempre tomava um caminho diferente. Nessa, eu conheço o Rio Grande do Sul todo, praticamente. Quando voltei ao Rio, me perguntavam de onde era o sotaque que eu tinha — contou em entrevista coletiva, logo antes de admitir, bem-humorado, que ainda gosta de chimarrão.
Desde pequeno, Saldanha demonstrava interesse pelo desenho. No tempo de colégio se ocupava fazendo caricaturas dos professores. Apesar do talento, seus pais o desaconselharam a cursar uma faculdade de arte, e ele seguiu o caminho da computação, atuando como programador em empresas. Mas a veia artística era inevitável:
— Depois de um tempo trabalhando na informática, eu me pegava muito mais tempo desenvolvendo as telas de introdução do programa ou criando logotipo do que fazendo a programação.
Logo percebeu que seu caminho seria a computação gráfica. Com a ambição de crescer na área, Saldanha ingressou em um curso de animação em computação gráfica na School of Visual Arts, de Nova York. Para lhe acompanhar na empreitada, Isabella, sua esposa com quem tem três filhas e um filho, largou a faculdade de matemática. Na época, os dois eram noivos e resolveram se casar antes da empreitada.
Já nos EUA, Saldanha passava muitas horas de seus dias na School of Visual Arts:
— Eu trabalhava que nem um condenado na faculdade. Quase dormia lá — relatou.
Contudo, foi nesse curso que Saldanha percebeu que era computação gráfica o que ele queria fazer. A dedicação funcionou: seu professor Bruce Wands o convidou a fazer um mestrado. Enquanto se especializava, Saldanha produziu os curtas-metragens de animação As Aventuras de Korky, O Saca-Rolha e Time for Love (1994).
Durante o mestrado, o brasileiro teve aula com Chris Wedge, fundador da Blue Sky Studios, que o convidou para trabalharem juntos. Em 2000, o estúdio foi vendido para a Fox, que, por sua vez, teve a venda aprovada para a Disney em julho.
— Nós fazíamos comercial de televisão. Não era cinema ainda, mas tínhamos esse sonho. Demoramos uns oito anos trabalhando com isso até que conseguimos fazer a Era do Gelo — apontou.
Wedge e Saldanha dirigiram juntos o primeiro A Era do Gelo, de 2002. A parceria se repetiria em Robôs (2005).
Após o reconhecimento obtido com A Aventura Perdida de Scrat, de 2003, Saldanha se afirmou para comandar seus próprios longas de animação. Ele dirigiu as sequências Era do Gelo 2 (2006) e Era do Gelo 3 (2009). Em 2011, lançou a animação Rio, para homenagear suas origens brasileiras e abordar o mercado ilegal de aves.
— Durante a produção de A Era do Gelo 2, disse para os executivos da Fox que eu queria muito fazer um filme sobre a cultura brasileira, que tem muita cor e é tudo de bom para ser trabalhada com animação. Eles gostaram de idéia, mas avisaram que antes eu teria que realizar A Era do Gelo 3.
— Rio para mim é um filme muito especial, pois é de minha autoria. Acho que essa é minha grande contribuição à minha brasilidade nos meus projetos. — comentoi. O filme recebeu uma indicação ao Oscar de 2012 na categoria Melhor Canção Original com Real in Rio, cantada por Sérgio Mendes e Carlinhos Brown. A sequência Rio 2 saiu em 2014.
Consolidado como diretor de animação, Saldanha começaria a se aventurar no live-action em Rio, Eu Te Amo (2014). No projeto, diretores brasileiros e estrangeiros filmaram pequenas histórias ambientadas em vários pontos da cidade. No seu segmento, Pas de Deux, ele dirigiu os atores Rodrigo Santoro e Bruna Lizmeyer.
— Nunca havia tido oportunidade com o live-action. Ficava sempre com aquela curiosidade: “como é que deve ser fazer?”. Quando fui convidado para fazer Rio, Eu Te Amo, vim para o Brasil e fiquei no país duas semanas filmando. Adorei trabalhar com atores, todo mundo me acolheu muito bem, recebi o apoio necessário para fazer com que minha visão fosse expressa na câmera. Foi uma experiência incrível, e tomei o gostinho.
Ele também foi o produtor executivo do longa Antes Que Eu Me Esqueça (2017), de Tiago Arakilian.
— Quando faço um filme de animação, fico quatro anos dentro de um estúdio, não saio, não tenho vida praticamente, demora muito. Com o live-action eu consigo fazer mais projetos. Posso usar o meu conhecimento, ajudar o cinema brasileiro de uma forma onde posso contribuir sem abrir mão do que eu já estou fazendo — explicou.
Em junho, Saldanha anunciou que irá dirigir a série Cidades Invisíveis para a Netflix. No novo projeto que marca seu retorno às filmagens no Brasil, será explorada a alma brasileira por meio da fé e mistura cultural.
— A Netflix estava com muito interesse no Brasil. Visitei o pessoal em Los Angeles e apresentei minha idéia. Ficamos em negociação durante um tempo e em 2019 devemos começar a filmar, entre Rio e São Paulo. Isso me animou muito, pois a equipe vai ser toda brasileira, com escritores, atores e diretores brasileiros.
Cidades Invisíveis contará a história de um detetive, que será interpretado por Marco Pigossi (Onde Nascem Os Fortes), envolvido em uma investigação de assassinato, entrando em uma batalha entre dois mundos. Na série de Saldanha, há um submundo habitado por criaturas míticas que evoluíram de uma linhagem do folclore brasileiro. Com oito episódios previstos, Cidades Invisíveis ainda está na fase de pré-produção.
Mas isso não significa que Saldanha tenha abandonado a animação. Além de ter lançado o sucesso Touro Ferdinando este ano, ele também está com um projeto embrionário de outro longa de animação pela Blue Sky, ainda sem nome ou previsão de lançamento. Conforme o cineasta, sua nova animação deve chegar aos cinemas só depois de 2020.
A seguir, mais perguntas para Carlos Saldanha
Por que escolheste o formato série para realizar Cidades Invisíveis?
Eu tinha muita vontade de trabalhar com séries. Às vezes, vejo mais séries do que cinema. (Nas séries) você começa a ter tanto a qualidade do cinema, quanto a oportunidade de expandir a forma de contar a história, podendo espaçá-la para conseguir um melhor tempo de desenvolvimento da trama. Foi um desafio legal e, ultimamente, tenho estado muito conectado com isso.
Quando você entrou na Blue Sky havia 20 pessoas trabalhando. Agora há mais de 500 funcionários, tendo que lidar com pressões de mercado e orçamento. Como foi o processo de adaptação do estúdio?
Isso é constante. Seja com 20 ou 500, as pressões são sempre proporcionais. Lá na Blue Sky nós procuramos sempre entregar no prazo, dentro do orçamento. Faz parte do nosso dia a dia. Tudo tem um custo, e nós temos que tentar mantê-lo.
Como você recebeu a notícia da compra da Fox pela Disney? Teme que isso influencie no trabalho da Blue Sky?
Nós tememos. Ainda estamos aguardando o que vai acontecer. Ninguém sabe de nada. Então, continuamos a vida normal. Temos um filme para ser lançado no ano que vem, e outro para ser lançado posteriormente. Eu estou desenvolvendo meus novos projetos, ou seja, a vida continua e vamos ver o que vai sair.
Como é dirigir nomes badalados do entretenimento na hora da dublagem? Por exemplo, recentemente você comandou John Cena (lutador do WWE) em Touro Ferdinando.
É incrível poder ter contato com esses talentos. Não é aquela coisa de ser uma estrela, mas sim de trabalhar com pessoas legais, que tem algo a adicionar ao seu projeto. John Cena é uma pessoa fantástica. Além de ser a voz perfeito para o projeto, ele agregou muito na minha experiência de vida. Todas as estrelas que trabalhei são gente como a gente.