O filme A Voz do Silêncio, terceiro longa-metragem do diretor André Ristum, abriu a mostra competitiva de Gramado provocando respostas emocionais intensas da plateia. A primeira delas foi de cunho político. Após Ristum apresentar o filme no palco do Festival, o produtor Rodrigo Castellar foi ao microfone e fez uma declaração política a favor do ex-presidente Lula. Foi aplaudido por parte da plateia e vaiado por outra parte — um espectador particularmente exaltado gritava no fundo da sala: "Perdeu a oportunidade de ficar calado. Mostra o filme e chega." Depois que a produção foi exibida, no entanto, o que ela despertou na audiência foi uma experiência cinematográfica intensa.
A Voz do Silêncio é um filme coral que alinhava as histórias de uma dezena de pessoas comuns residentes em São Paulo na semana que precede um eclipse lunar, ponto culminante da narrativa. O elenco, internacional, mostra uma metrópole cosmopolita em que vivem migrantes de vários Estados e de outros países. Marieta Severo vive Maria Cláudia, uma mãe reclusa que tem uma relação tumultuada com os dois filhos, Raquel (Stephanie de Jongh), uma aspirante a cantora que precisa ganhar a vida fazendo pole dance numa boate, e Alex, que a mãe sonha estar viajando pelo mundo quando, na verdade, vive na mesma cidade, como operador de telemarketing.
Cláudio Jaborandy interpreta um trabalhador que equilibra dois empregos, um como cozinheiro de uma temakeria e outro como porteiro de um edifício. Os atores argentinos Ricardo Merkin e Marina Glezer vivem pai e filha, ele um locutor de um programa de rádio que toca e comenta música clássica e ela uma corretora de imóveis que tenta criar sozinha o filho enquanto é acossada pela pressão das metas numa época de crise. Há ainda o ótimo Marat Descartes como um funcionário público corrupto que vive uma tragédia pessoal. É um mérito do filme que um simples resumo, como esse, resulte muito mais complicado do a real articulação das narrativas na tela, fluindo com naturalidade de um personagem a outro.
— A ideia era mesmo desde o princípio que fosse uma coisa que cozinhasse a fogo lento, não mostrasse nada bombástico de cara, que fosse pintando esse afresco aos poucos, uma pincelada ali, outra aqui, e aos poucos vai se montando essa pintura. Claro que o processo de montagem foi fundamental, porque você chega com isso e vê se vai funcionar ali o que você achava que funcionava no roteiro. Houve umas adaptações, mas a estrutura do roteiro permaneceu — declarou o diretor Ristum na manhã de sábado, na entrevista coletiva após o filme.
Coprodução com a argentina e distribuído no Brasil pela Imovision, A Voz do Silêncio estreou primeiramente em junho, na Argentina. Embora tenha angariado elogios da crítica no país vizinho pela qualidade das interpretações e pela forma como faz da própria cidade personagem, muitos dos comentários tocaram em um ponto também levantado pela imprensa durante o debate seguinte ao filme: como o retrato cru da realidade dos personagens, presos numa luta pela sobrevivência numa cidade desumana, pode ser considerado pessimista ou excessivamente negativo, apesar de o filme terminar com algumas notas de esperança.
— O filme é pessimista, não tem muita dúvida sobre isso. Acho que são meus 25 anos de psicanálise que não me ajudam a enxergar muita luz e positividade — brincou o diretor.
Ele mais tarde desenvolveu:
— O Bertolucci dizia que ele usava muito divã da psicanálise para chegar nos filmes dele e escolher o que ele ia debater. Acho que é um pouco isso. Esse é um filme com coisas que me tocam. Todos os personagens são inspirados em histórias reais, de alguma maneira aquela história mexeu comigo e eu quis colocar aquilo no filme.
Marieta Severo acrescentou que não via no filme o pessimismo que tantos comentaram.
— Por acaso na pousada em que estou, ouvi a opinião de um cinéfilo, um rapaz que vem para cá para ver os filmes: ele comentou que esse filme tinha muita poesia, mas uma poesia dura. Eu não acho o filme pessimista, e sim extremamente realista, ele coloca uma visão de uma São Paulo como uma cidade dura. Eu sou uma carioca que, quando vou a São Paulo, parece que estou indo a Nova York: o lado A da cidade, a vida cultural, vários institutos culturais na Avenida Paulista. O filme não fala disso, ele fala do lado B, C, D, de uma série de pessoas que estão ali tentando sobreviver. E hoje em dia, numa cidade tão de "winners", em que todo mundo tem de ser feliz, mostrar essas pessoas se debatendo com suas dores e sofrimentos, tem uma poesia muito realista e muito bonita.
Sobre a manifestação do produtor na noite anterior e a reação do público, Ristum comentou:
— A gente vive um momento complicado no país. As coisas estão exacerbadas, as pessoas não ouvem umas às outras. E a gente está falando no filme sobre alguém olhando para o outro e vendo que o outro precisa dele. As reações são todas muito exacerbadas, à flor da pele, fla-flu, bem ou mal. Se a gente manifesta uma opinião pessoal pode ser crucificado. Mas o filme não vai nessa direção.