No domingo (24), a Fundação Iberê Camargo promoverá uma sessão especial do longa-metragem mudo Um Homem com uma Câmera, de Dziga Vertov. Mudo, o clássico do cinema russo (clique aqui para ler artigo sobre o filme) será exibido às 16h, com entrada gratuita e trilha sonora composta especialmente para a ocasião e executada ao vivo por Vagner Cunha – com participação de Ernesto Fagundes –, com quem conversamos sobre seu processo de criação.
Como vai ser sua interpretação sonora desse filme que é um dos clássicos do cinema?
É uma trilha inédita, composta especialmente para a sessão. Como é um trabalho muito complexo para ser executado por uma pessoa só, tem uma camada inteira de som que é pré-gravada com instrumentos orquestrais e percussões africanas e asiáticas, e outra executada ao vivo por mim e pelo Ernesto Fagundes, no violino e no bombo.
Como foi o processo de criação da trilha? Quantas vezes você assistiu ao filme para "entrar no clima"?
Eu conhecia o filme, mas nunca tinha visto. Assisti algumas vezes durante duas semanas, totalmente no silêncio e depois eu abri uma sessão com uma partitura e preenchi alguns pontos-chave do filme. Porque, na verdade, quando tu faz uma música, tu dá um ritmo diferente pro filme. Eu tentei seguir ao máximo o ritmo que o Vertov indica no filme.
Você ouviu muitas outras versões de trilha para o filme antes de fazer a sua?
Não, eu ouvi tentando achar alguma que fosse mais próxima ao que ele tivesse concebido, mas não encontrei.
Esse filme já ganhou diferentes trilhas sonoras ao longos dos séculos 20 e 21. Tem alguma que mereça destaque?
Nenhuma. As que eu ouvi eram muito desconectadas da maneira como eu vejo o filme. É realmente difícil que eu ache alguma que feche, porque eu construí minha versão, minha ideia, no silêncio, antes de conhecer o filme com música.
Como você pensou esse conceito? Que tipo de dinâmica é preciso criar para que a trilha fique em harmonia com um filme mudo que tem no revolucionário impacto visual seu grande reconhecimento histórico?
Eu tentei estabelecer uma relação do homem com a máquina naquela época, que é relativamente parecida com a relação que temos hoje. Mesmo depois de 90 anos, aquele filme parece muito atual, fala muito de hoje em dia. E eu tentei extrair a poética dessa relação do homem com a máquina e do homem com o homem.
Você acha que é a imagem que dita o ritmo da trilha ou a trilha pode tomar um caminho separado e dar outra significação ao filme?
A imagem é muito forte e a trilha não pode estar acima da imagem. Eu tento ser coadjuvante na história. Não posso ser protagonista de um filme que é tão forte. Eu preciso estar a serviço da imagem.
Como você conjuga os momentos de discrição e os de mais ressonância, por exemplo? Como se constrói essa narrativa sonora?
Eu sou muito intuitivo. Vendo o filme, eu entendi o ritmo que eu queria, porque o problema de se construir uma trilha sonora não é melódico nem harmônico, é rítmico. É um filme de uma hora e 10 minutos em que eu preciso segurar a atenção das pessoas. Então eu não posso ser monótono, mas também não posso gastar toda a minha munição nos 10 primeiros minutos. Então eu tenho que ser muito econômico. A economia talvez seja a resposta para a sua pergunta.
Você já tinha feito trabalhos parecidos antes?
Já fiz muito trabalho com cinema, mas é a primeira vez que crio uma trilha para um filme já consagrado. Eu tô encantado, pra mim foi uma oportunidade incrível. Mas claro que é complicado, é uma responsabilidade.