Se Moisés abriu o mar vermelho na Bíblia, a franquia Deus Não Está Morto escancarou as portas do cinema brasileiro para os filmes cristãos contemporâneos. Antes restrito a poucas salas e horários, o filão gospel conquistou lugar cativo no circuito na última década. Eu Só Posso Imaginar, por exemplo, é a principal estreia da semana em Porto Alegre, com a maior oferta de horários em cópias dubladas e legendadas.
Em 2014, Deus Não Está Morto alcançou quase 300 mil espectadores no país, foi muito comentado nas redes sociais e ganhou continuações – Deus Não Está Morto 2 (2016), que chegou a 337 mil de público, e Deus Não Está Morto – Uma Luz na Escuridão, com estreia prevista para agosto. Baseada em uma discussão entre cristãos e ateus, a trama abriu caminho para outros longas, como Quarto de Guerra (2015), que consolidou o público fiel do gênero ao chegar a meio milhão de espetadores.
– A qualidade da produção americana melhorou muito na última década. O público no Brasil respondeu positivamente com boas bilheterias. Antes de Deus Não Está Morto, que foi sucesso mundial, é importante destacar o bom desempenho de Três Histórias, um Destino (2012), que já tinha ido muito bem – destaca Ygor Siqueira, fundador da 360 Way Up, empresa que atua em diferentes frentes do ramo audiovisual cristão e prestou consultoria para Eu Só Posso Imaginar.
Claro que filmes com temáticas bíblicas ou de cunho religioso são produzidos desde o século passado e há outros marcos na área, como A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson, que lançou também Até o Último Homem, indicado ao Oscar do ano passado. A diferença do atual momento seriam as produções lançadas em sequência e o deslocamento da temática bíblica para um enredo de dramas cotidianos.
– No Brasil, há um crescimento no número de cristãos pentecostais, e as pessoas buscam conteúdos que condizem com sua crença. Isso ajudou o mercado local – explica Reinaldo Mendes, diretor da Graça Filmes, empresa brasileira especializada em produções cristãs e ligada a Igreja Internacional da Graça de Deus. – Há a ideia de trazer um público amplo para o cinema, por isso a abertura dos roteiros, com situações do cotidiano. Tudo isso junto da lógica comercial, de gerar renda. É importante para o mercado – opina.
Mas produções sem personagens bíblicos trazem prós e contras. Noé, por exemplo, filme de 2014 estrelado por Russell Crowe, foi alvo de críticas por apresentar uma trama que não se prende a detalhes do livro cristão, como explica Siqueira:
– Temas bíblicos ajudam pois já são conhecidos, mas podem gerar muita polêmica. Tem que ser bem estruturado, é muito mais complexo. O importante é ter temas relevantes e, no Brasil, temos faltas de roteiristas capacitados para falar com esse público.
Embora Os Dez Mandamentos, longa ligado à Igreja Universal, seja o filme mais visto da história do cinema brasileiro pelo menos até o ano passado (a marca já teria sido ultrapassada, segundo o site Filme B, por Nada a Perder, cinebiografia do bispo Edir Macedo), as polêmicas com salas vazias e ingressos esgotados não credenciam o cinema evangélico a entrar para o hall de grandes sucessos. Metanoia (2015), com Caio Blat no elenco, é uma das poucas produções daqui que se insere nessa perspectiva de cinema cristão contemporâneo, assim como A Palavra, filme com Tuca Andrada e Oscar Magrini que deve estrear em outubro. Mas há mais produções locais ainda em fase inicial. A 360 Way Up está com três projetos no horizonte, sendo um ambientado no Nordeste, um sobre dramas familiares e uma cinebiografia - ainda não há data de estreia. Já a Graça Filmes projeta lançar alguma história bíblica no ano que vem.