Em cartaz na Cinemateca Paulo Amorim, Lamparina da Aurora é um raro filme brasileiro de terror composto – por paradoxal que possa parecer – por imagens muito bonitas mesmo que representativas da solidão e do envelhecimento.
Esses temas, na verdade, são intuídos pelo espectador. Neste que é seu terceiro longa, o maranhense Frederico Machado radicaliza as experiências anteriores (O Exercício do Caos, de 2012, e O Signo das Tetas, de 2015) apresentando uma trama praticamente sem diálogos na qual a realidade e o sonho, ou melhor, o pesadelo, amalgamam-se sem deixar claro em que plano os acontecimentos se passam.
Há um casal (Buda Lira e Vera Leite) que vive em um local bucólico, provavelmente uma fazenda, e um visitante esporádico (Antonio Sabóia), responsável por desestabilizar sua rotina. Se é que é possível falar em rotina: por mais que repita locações e situações do dia a dia dos protagonistas (as refeições, a ida para a cama à noite), Machado está interessado em ressaltar o que pode haver de extraordinário de suas vidas. O paradoxo (mais um) é que esse extraordinário está no que pode ser identificado como o mais cotidiano e comum a todos.
É interessante notar o quanto esse apelo à fantasia é, cada vez mais, recorrente no cinema brasileiro – tendência que remete, pelo menos, ao início desta década, a partir de filmes como A Alegria (de Felipe Bragança e Marina Meliande, 2011), intensificando-se nos últimos anos, com longas como Castanha (Davi Pretto, 2014) e Branco Sai, Preto Fica (Adirley Queirós, 2015). Em todos os casos, trata-se de um recurso ligado à intenção de criar sensações que de alguma forma estejam ligadas ao desconforto ou à vontade de fuga, ou ambas as coisas.
Em Lamparina da Aurora, a atmosfera é de medo, às vezes pânico, mesmo que dissimulado – o instigante silêncio dos personagens não traz respostas definitivas. As belas imagens, fotografadas pelo próprio Frederico Machado, ganham ainda mais força devido ao ótimo desenho de som que faz alternarem-se ruídos e música e, ainda mais do que isso, aos versos do poeta Nauro Machado (1935–2015), pai do diretor, que são lidos por um narrador de voz empostada e afirmativa, como se fosse um Deus onisciente a revelar os fantasmas do casal.
Que fantasmas são esses? O medo dos dois, que aparentemente recai sobre o intruso de expressão enigmática, é, no fundo, um medo que não tem uma razão necessariamente palpável. A solidão e o envelhecimento surgem como indícios, mas a riqueza visual de Lamparina da Aurora permite pensar em um existencialismo mais amplo. O terror não está apenas na proximidade da morte, e sim na própria vida – aonde ela leva, o que ela pode trazer, por quê?
Não é um filme de terror convencional. É, em vez disso, um filme sobre sensações de terror que, de alguma forma, estão aí, ao alcance de todos. Inevitavelmente.
Lamparina da Aurora
De Frederico Machado
Terror/suspense, Brasil, 75min, 14 anos.
Em cartaz em Porto Alegre na Sala Norberto Lubisco da Cinemateca Paulo Amorim (na sessão das às 19h15min).
Cotação: muito bom.