Castanha chegou. Depois da exitosa carreira em festivais, o filme que mistura ficção e documentário para mergulhar na intimidade do ator e performer da noite João Carlos Castanha pode ser visto a partir desta quinta-feira em sessões diárias em cinco cinemas de Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas (veja quais abaixo). É o mais importante longa-metragem gaúcho desde Deu pra Ti, Anos 70 (1981): assim como o histórico título dirigido por Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti, assinala uma ruptura tanto estética quanto de modelo de produção, arrastando (tardiamente) a cinematografia local para o século 21.
Castanha é dirigido por Davi Pretto, 26 anos, e tem o selo da Tokyo Filmes, um dos núcleos responsáveis por arejar a engessada produção de longas no Rio Grande do Sul. Há outros núcleos, todos formados por jovens, muitos egressos dos cursos superiores implantados no Estado na década passada. Castanha os representa. É o símbolo mais notável de um movimento amplo, caracterizado pela sintonia com os autores contemporâneos que estão conduzindo a linguagem por caminhos até então não experimentados - a exemplo dos portugueses João Pedro Rodrigues (de Morrer Como um Homem) e Pedro Costa (Juventude em Marcha), a quem Castanha paga tributo.
Pretto reencena ficcionalmente o dia a dia de Castanha e sua mãe, Celina, algo semelhante ao que se viu em ícones do chamado novíssimo cinema nacional, como Terra Deu, Terra Come (2009) e O Céu sobre os Ombros (2011), dos quais a produção gaúcha de longa-metragem só se aproximara, antes, com Morro do Céu (2009), de Gustavo Spolidoro. O caráter onírico do filme que estreia nesta quinta faz com que se associe ainda mais a títulos como Girimunho (2011), que acrescentam imaginação ao retrato da vida que flerta a todo instante com a morte. Isso por conta, em grande parte, das situações do pai do protagonista, que está internado numa casa de repouso, e do sobrinho viciado em crack, a quem Celina (em ótima atuação) ajuda com os poucos recursos de que dispõe.
A abordagem dos fantasmas que atormentam mãe e filho é o atalho para a construção de uma narrativa sofisticada, na qual o real se mistura com aquilo que está sob as máscaras sociais. Talvez mais importante do que isso é o distanciamento que Pretto mantém de Castanha. Apostando nas possibilidades da ficção, expõe o que o homem por trás da persona artística tem de obscuro - alguma intolerância, egoísmo e o que seu amigo Zé Adão Barbosa, encenador que igualmente interpreta a si mesmo, define como "sadismo".
João Carlos Castanha no espelho em peça teatral
Leia crítica sobre a peça "Até o Fim", com Castanha
Interessante notar: é o garoto craqueiro, personagem que não é interpretado pelo seu correspondente real (e sim por Gabriel Nunes), que desencadeia os principais conflitos da trama - aqueles que vão expor definitivamente o protagonista. Essa maleabilidade de Castanha, o filme que não se define entre o documentário e a invenção ficcional, é que lhe dá a possibilidade de atingir a verdade. Uma verdade não absoluta, ressalte-se, típica da arte mais inquietante, provocadora, estimulante.
Quando revolucionou o cinema local, tornando-se símbolo da transição do chamado "ciclo da bombacha" para uma produção urbana e mais moderna, Deu pra Ti, Anos 70 apresentou uma abordagem mais complexa das relações sociais. Nesse sentido, o que ocorre com Castanha não é muito diferente. Com uma vantagem para o longa de Davi Pretto: a incorporação dessa complexidade de maneira orgânica à própria forma do filme.
Lá fora
Castanha teve première na seção Fórum do Festival de Berlim. Também foi exibido nos festivais de Hong Kong, Copenhagen, Edimburgo e Las Palmas, entre outros. No Brasil, foi à Paulínia, à Mostra de SP e ao Festival do Rio, de onde saiu com o prêmio de melhor filme da seção Novos Rumos. Já estreou na Argentina e tem distribuição assegurada na Alemanha, na Suíça e na Áustria, além da televisão da Espanha.
Aqui
São 19 cópias espalhadas pelo Brasil. No Rio Grande do Sul, o filme estreia nesta quinta-feira no Shopping Pelotas, na Sala Ulysses Geremia, em Caxias do Sul, e, em Porto Alegre, no Espaço Itaú, no CineBancários e na Sala Eduardo Hirtz da Cinemateca Paulo Amorim, na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ). João Carlos Castanha e Davi Pretto estarão na noite desta quinta na CCMQ para conversar com o público. O debate terá início após a sessão das 19h40min.
Castanha
De Davi Pretto. Com João Carlos Castanha, Celina Castanha, Zé Adão Barbosa e Gabriel Nunes.
Drama, Brasil, 2014. Duração: 95 minutos. Classificação etária: 14 anos.
Cotação: ótimo.