Gênero praticado com desenvoltura nas letras por gigantes como J.M. Coetzee e Enrique Vila-Matas (sem falar do fenômeno pop Karl Ove Knausgard), a autoficção não é uma vertente tão frequente no cinema. Vem desse fato a primeira curiosidade sobre Amor, Paris, Cinema, dirigido e estrelado pelo francês Arnaud Viard. Apesar de ser de 2015, o filme está em cartaz em Porto Alegre (veja horários e salas no roteiro), e o constrangedor título nacional não ajuda muito a apresentar sua essência – o original, mais apropriadamente, é Arnaud Fait Son Deuxième Film (“Arnaud Faz seu Segundo Filme”). Embora fale, sim, de amor, de cinema e tenha um pouco de Paris, o que há de interessante no filme de Viard é o modo como cruza a tradição do "filme sobre cinema", de Fellini e da Nouvelle Vague até Woody Allen, com elementos de sua própria biografia. Com tempo para abraçar e brincar com alguns clichês da comédia romântica no processo.
Arnaud Viard, o personagem, é o próprio diretor, vivendo uma crise criativa e pessoal 10 anos após ter lançado seu primeiro filme, Clara et Moi (2004). Nesse meio tempo, rascunhou várias ideias que não foram a lugar nenhum e atuou numa série familiar popular na França chamada Que du Bonheur!. Todos esses são fatos da própria vida de Arnaud, usados no filme (inclusive cenas da série Que du Bonheur!, realizada em 2008) para apresentar, em tom cômico, sua insatisfação pessoal com a estagnação de seus projetos artísticos e com a opção de ganhar dinheiro na TV.
Arnaud também está em crise doméstica com sua esposa, Chloe (Irène Jacob, nunca presente o bastante nas telas de cinema), devido às tentativas frustradas de o casal engravidar, uma tensão que levará ao fim do casamento. Por precisar de dinheiro, Arnaud vai dar aulas em um curso de cinema, e se envolve com uma jovem aluna, Gabrielle (Louise Coldefy). Tudo enquanto tenta emplacar uma nova ideia para um segundo filme.
Amor, Paris, Cinema tem bons achados. Uma cena de sexo casual de um Arnaud recém-separado é filmada com o casal totalmente vestido e ainda assim simulando uma transa, um toque inusitado para representar a falta de intimidade e o constrangimento desajeitado de muitas dessas relações. Outras cenas são de uma simplicidade confessional desconcertante, como um diálogo entre o diretor e sua mãe, doente terminal, imaginado em um trem. No geral, contudo, é uma produção que se vale de símbolos pouco sutis, como a comparação entre a esterilidade criativa e pessoal do personagem com constipação ou impotência. Diferentemente da autoficção citada lá no início, é um filme pouco profundo. Mas é divertido, breve e leve.