As imagens de Bye Bye Alemanha, estreia da semana nos cinemas, impressionam de imediato: com visual impecável, apresentam cenas da vida cotidiana em uma das chamadas áreas de reabilitação organizadas pelas Nações Unidas (UNRRA, na sigla em inglês) logo após a II Guerra Mundial.
Sobre os escombros de Frankfurt, em 1946, movimenta-se David (Moritz Bleibtreu), um raro judeu sobrevivente do Holocausto no país que foi o berço do nazismo. Por pouco tempo, imagina-se, já que ele e seus amigos querem mesmo é abandonar a Alemanha.
Para angariar dinheiro e cumprir esse objetivo, eles montam um negócio de venda de lençóis, toalhas e guardanapos, entre outros produtos, para alemães que até pouco tempo apoiavam seus algozes. Paralelamente, David é investigado por suposto colaboracionismo, já que, vivendo em um campo de concentração, fora cooptado para ensinar Hitler a contar piadas.
A situação pode parecer absurda, mas é inspirada em fatos reais – foi narrada antes em livro por Michel Bergmann, que assina o roteiro junto ao diretor, Sam Garbarski (o mesmo de Irina Palm, de 2007).
O filme como um todo absorve a comicidade de seu protagonista, um bufão que parece encarnar o espírito do personagem de Roberto Benigni em A Vida É Bela (1997), fantasiando alegria onde apenas pode haver tristeza. Só que, em Bye Bye Alemanha, a guerra já terminou e não há crianças a quem fingir que aquilo tudo seria outra coisa – o que torna a estratégia de David para superar o terror, a despeito do talento de Bleibtreu (visto em O Grupo Baader Meinhof, Corra, Lola, Corra e diversos filmes de Hollywood), um tanto estranha.
Os personagens caricatos e as situações circenses, no entanto, não são o maior problema de Bye Bye Alemanha, e sim a tola pretensão de Garbarski e Bergmann de alcançar o que seria uma verdade absoluta sobre aquele período, escancarada desde o letreito à abertura da projeção, que anuncia: "Esta é uma história real. E mesmo o que não é exatamente a verdade está correto".
Quando os 102 minutos de filme se encerram, surge outra inscrição sobre a tela escura: "Cerca de 4 mil judeus ficaram na Alemanha após a II Guerra Mundial. Nenhum deles conseguiu explicar a seus filhos o porquê". Trata-se de uma suposição, claro, mas que acaba por prestar um desserviço à construção da memória sobre a tragédia.
A ideia de que todos sabem o que foi e como se configurou o horror da II Guerra, em seus detalhes, vem sendo desconstruída, no mínimo, desde Alain Resnais e o clássico Hiroshima, Meu Amor (1959), quando o arquiteto japonês, personagem de Eiji Okada, confronta a atriz francesa interpretada por Emmanuelle Riva sobre a forma como ela viu e absorveu as imagens da bomba atômica ("Eu vi todo o terror", ela diz, ao que ele contrapõe: "Você não viu nada").
As subjetividades não podem ser ignoradas nas reconstruções que se pretendem históricas. Garbarski e Bergmann acertam ao valorizar uma figura tão particular como David, mas erram ao contextualizá-la: transformando tudo o que o cerca em acessório genérico para sustentar sua história, acabam dando um caráter fake ao filme como um todo.
BYE BYE ALEMANHA
De Sam Garbarski
Alemanha/Bélgica/Luxemburgo, 2017, 102min.
Estreia nesta quinta-feira (24/8). Em Porto Alegre, pode ser visto no Espaço Itaú, no GNC Moinhos e no Guion Center.
Cotação: regular.