Nelson Xavier sempre foi uma presença de destaque no Festival de Gramado, concorrendo com filmes, circulando pelos bastidores do evento como integrante de júri ou convidado especial. Na edição de 2014, Xavier, que morreu na madrugada desta quarta-feira, aos 75 anos, viveu um momento muito particular em sua rica trajetória. Seu personagem no filme A Despedida, um dos títulos na mostra competitiva de longas, refletia um momento delicado de sua vida pessoal.
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Ator Nelson Xavier morre aos 75 anos
No filme dirigido por Marcelo Galvão – que, inexplicavelmente, não foi lançado no circuito gaúcho –, Nelson Xavier vivia Almirante, um senhor de 92 anos inconformado por enfrentar a decrepitude do corpo com plena consciência da morte se aproximando. Um dia, decide literalmente se arrastar com seu andador para fora da casa em que vivia com a mulher, o filho e a nora para cumprir uma série de pendências afetivas, como pedir desculpas a um amigo, e desejos derradeiros, dentre eles, tomar um café no botequim próximo e fumar maconha. A parada final dessa via-crúcis existencial se dá no reencontro com sua jovem amante, 50 anos mais jovem, interpretada por Juliana Paes.
A exibição do filme no Palácio dos Festivais, no primeiro dia de competição, terminou sob calorosos aplausos e já apontando Xavier como forte candidato ao Kikito de melhor ator. Combinando melancolia, graça e sensibilidade no registro de um tema tão propício ao sentimentalismo exagerado, Xavier iluminou um personagem memorável, exigente tanto de talento dramático quanto de esforço físico – uma sequência em particular, pontuada de forma arrebatadora pela canção Esses Moços, na voz de Lupicínio Rodrigues, chegou a ser aplaudida em cena aberta pela plateia.
Na manhã do dia seguinte, durante a coletiva de imprensa, Xavier falou de seu carinho pelo personagem e a razão pela qual aceito fazer o filme. Havia enfrentado um câncer de próstata. Rodou o longa, dois anos antes, no período mais crítico do tratamento. A perspectiva da morte, garantiu, renovou-lhe a paixão pela vida.
– Tenho 72 anos, tive um câncer e ele me fez pensar mais na existência, a encarar as limitações da velhice – disse, à epoca.
Ator com presença marcante em obras emblemáticas do cinema – como A Queda (1978), codirigido com Ruy Guerra – e da televisão brasileira – em séries como Lampião e Maria Bonita (1982) e Tenda dos Milagres (1986) –, Xavier morreu em plena atividade. Deixa como último trabalhos nos cinemas os longas Rondon, o Desbravador, no qual vive o mítico explorador brasileiro, e Comeback, no papel de um matador de aluguel.