Dos minúsculos enfeites de chimarrão para monumentos com até nove metros de altura. Não foi apenas uma evolução em dimensões: o escultor Vinícius Ribeiro, 56 anos, também desenvolveu um estilo que denomina "realismo missioneiro". Agora, o artista finaliza uma obra de quatro metros do músico Luiz Carlos Borges (1953-2023).
Além de Borges, o escultor produziu uma estátua do cantor e compositor José Cláudio Machado (3m60cm), que foi inaugurada na manhã desta sexta-feira (20) em Tapes, no sul do Estado. O monumento já estava instalado no Parque Municipal de Eventos José Cláudio Machado desde o final de agosto, só que ainda estava sendo coberto e protegido para firmar sua base. O "chá de revelação" foi uma solenidade organizada pelo CTG Província de São Pedro.
Vinícius também já transformou outras lendas do cancioneiro gauchesco em monumentos: Jayme Caetano Braun (dois metros), que está no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque Harmonia), em Porto Alegre; também fez outra estátua do poeta e pajador, mas de seis metros — isso dos pés à cabeça; se somar com a base, dá nove metros —, instalada em São Luiz Gonzaga, nas Missões; na mesma região, há Noel Guarany, em Bossoroca, e Cenair Maicá, em São Miguel das Missões (ambos com quatro metros); e Mano Lima (2m70cm), em Maçambará, na Fronteira Oeste.
Morador de São Luiz Gonzaga, Vinícius trabalha com esculturas, bustos, monumentos e troféus feitos manualmente em concreto armado, bronze, pedra e resina. Costuma produzir entidades políticas, históricas e religiosas, entre outras, atendendo a pedidos não só do Rio Grande do Sul, mas também de todo o Brasil.
Por exemplo, ele fez uma estátua da cientista polonesa naturalizada francesa Marie Curie — duas vezes vencedora do prêmio Nobel —, que foi um presente da Embaixada da Polônia para a residência oficial do governo do Distrito Federal. Outro exemplo é o Monumento ao Aviador, que ele construiu para Chapadão do Sul (MS).
Vinícius lembra que uma soma fatores o levaram a se tornar escultor. Primeiramente, gostava de desenhar desde pequeno. Ele recorda que era péssimo na aula de biologia, na sétima série, mas se interessou muito pela ilustrações do corpo humano. A figura humana o hipnotizava em relação à estética e às proporções.
Ao mesmo tempo, gostava de ler sobre a vida dos grandes escultores na enciclopédia do pai. Desde guri já era atraído pela escultura, só que não sabia.
Passado um tempo, quando já tinha 24 anos, ganhou uma miniatura de enfeite de chimarrão. Intrigado com o adereço, o futuro artista pensou: "Eu posso fazer melhor".
Então, aprendeu a técnica de fazer enfeite na base da tentativa e erro. Começou a vender os produtos, que continham frases espirituosas, como "Não mexa na bomba" ou "Bomba não é microfone". Aos poucos, os enfeites de uns cinco centímetros foram crescendo, e Vinícius passou a trabalhar com outros formatos. Gradualmente suas obras foram aumentando, até se tornarem monumentos.
Antes de se encontrar na arte, Vinícius passou por diferentes ocupações: serviu ao Exército, foi auxiliar de biblioteca, vendeu assinaturas de jornal, atuou como atendente de farmácia — onde passava o tempo lendo bulas. Mas não sabia o que fazer. Fez orações pedindo um sentido, um caminho profissional em sua vida.
Ele garante que nunca fez curso de escultura. O que aprendeu foi na base da observação, como acrescenta:
— Sou autodidata por necessidade, não por glamour. Não tive oportunidade de ter professor. Teria economizado tempo. Hoje, consigo passar em poucos minutos dicas que demorei anos para descobrir.
Esculpindo ícones
O primeiro ícone do gauchismo que Vinícius esculpiu foi Jayme Caetano Braun, criando uma estatueta de um metro que está no CTG Galpão de Estância, de São Luiz Gonzaga. Por causa desse trabalho, o escultor foi convidado para construir a escultura do poeta que hoje se encontra no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Harmonia), em Porto Alegre.
No dia da inauguração da segunda obra, em dezembro de 2006, estava presente Paixão Côrtes. O folclorista elogiou o monumento, mas indagou o escultor: o que São Luiz Gonzaga faria para homenagear Jayme? Afinal, era terra natal do poeta (ele nasceu em Bossoroca, que, naquela época, pertencia a São Luiz Gonzaga). Vinícius ficou em silêncio por um instante, mas logo garantiu que estavam preparando "algo grandioso".
Nada estava sendo preparado. Vinícius aproveitou um evento de homenagem ao Jayme realizado em uma praça no município, em janeiro de 2007, para distribuir uma enquete. No questionário, havia uma pergunta sobre qual deveria ser o tamanho do monumento, e ganhou a maior (seis metros).
Dividindo o tempo de produção com outros trabalhos, o escultor levou dois anos para concluir a obra — inaugurada em 2009. Para viabilizá-la, Vinícius convidou entidades culturais para auxiliarem na divulgação do projeto. Criou certificados de ajuda, que eram vendidos a R$ 30 e contribuíam no financiamento do monumento. Esse formato colaborativo seria aplicado em projetos posteriores — como nas estátuas de Maicá e Guarany.
O artista acrescenta que, além do monumento, é necessário que se tenha um memorial ao redor da obra. Algo que possibilite que o visitante "entre por uma porta sem conhecer nada do homenageado" e "saia por outra sabendo tudo". Em São Luiz Gonzaga, por exemplo, há um centro cultural ao redor do monumento.
No momento, Vinícius trabalha em um monumento de quatro metros de Luiz Carlos Borges, que deve ficar pronto nos próximos meses. Paralelamente, ele também desenvolve uma estátua de Santa Luzia para Caibaté, nas Missões.
A estátua do músico será instalada em São Luiz Gonzaga, cidade natal de Borges. O projeto recebeu apoio de Jorge Guedes & Família, que doaram o cachê de um show, e de amigos da família do músico. No monumento, o instrumentista aparece tocando seu acordeom 120 baixos.
— É um gaiteiro que tocava tanto num galpão quanto num palácio, pela sua versatilidade e qualidade. Pessoa humanamente fantástica e de muito conhecimento musical. Foi referência e é ainda para todos nós. Procurei retratar ele na sua vestimenta, na sua maneira de tocar gaita — descreve Vinícius.
Da pesquisa para a estátua
Vinícius elege Lísipo, do século 4 a.C., como sua maior referência — escultor grego que se notabilizou pelas obras com perspectiva múltipla e estátuas de atletas. Em seu trabalho, o artista missioneiro não realiza obras em tamanho real. Para ele, isso diminui a importância da pessoa retratada:
— Por ser uma matéria sem vida, tu tens que criar artifícios para a escultura parecer mais imponente. Sempre faço de dois metros para cima. Acha um pecado o tamanho natural. Tu matas o ídolo.
O processo de construção de cada monumento começa por uma intensa e profunda pesquisa, buscando simbolismos e referências. Vinícius varre a história e se certifica dos mínimos detalhes do objeto retratado. Detalhes como se a bota era de couro liso (caso do monumento em homenagem à Força Expedicionária Brasileira, de São Luiz Gonzaga) ou sobre parentescos do homenageado são levados em conta.
— Sempre procuro fazer essa pesquisa para que fique disponível no futuro, que sirva de referência sobre quem foi aquela pessoa — explica.
Depois da pesquisa, Vinícius desenha esboços do monumento. O escultor conta que, quando está sem criatividade, passa a desenhar com outra mão para forçar outro lado do cérebro — e funciona, ele garante.
Em caso de aprovação, Vinícius monta uma maquete (miniatura da estátua). Se aprovada, começa a construção, que ocorre em um espaço aberto ao lado de sua casa. Utilizando andaime e materiais comuns de pedreiro, o escultor costuma trabalhar sozinho em cada obra.
O tempo de criação pode variar em alguns meses. Vinícius afirma que prioriza deixar o trabalho perfeito. O custo varia conforme o tamanho, mas costuma ser na casa de dezenas de milhares de reais.
Realismo missioneiro
Em algumas obras, Vinícius já aplicou um estilo que batizou como realismo missioneiro: promove personagens e símbolos das Missões em uma versão estilizada, diferente da real. Segundo o escultor, ele se permite inventar uma proporção diferente da anatomia por pura liberdade artística.
Há dois exemplos notórios dentro dessa proposta de Vinícius em sua cidade natal. Em frente à prefeitura, há o monumento chamado Sepé Tiaraju São-Luizense e Missioneiro, retratando o guerreiro indígena em uma versão alta e musculosa, com vestes estilizadas. O artista destaca que adotou esse estilo para dar ênfase aos feitos realizados por Sepé, fortalecendo o mito.
Outro exemplo é a estátua intitulada Justiça Missioneira, que se localiza em frente ao Fórum da Comarca de São Luiz Gonzaga. Aqui ele propôs que a figura da Justiça —geralmente representada pela divindade grega Têmis, com os olhos vendados, segurando uma espada e uma balança — fosse uma índigena das missões estilizada.
Vinícius explica que as vestes da Justiça missioneira começam desde a pena na cabeça, os atados nos braços e pernas que os guaranis chamam de tetymakuá (atados feitos de cabelo cortado de menina após a primeira menstruação). A roupa é o tipoy (túnica), usada pelos guaranis das reduções jesuíticas.
Essa proposta do realismo missioneiro vai ao encontro da ideia de Vinícius sobre como os monumentos servem para sinalizar um caminho:
— É como acender uma luz no local. Os monumentos não são para serem adorados, mas para apontar uma história de vida que sirva de inspiração. Além de servir de atrativo turístico, se propõem a retratar alguém ou algo que simbolize uma localidade.