— Esse é um lugar que fala com o meu coração, a Fundação Iberê Camargo. Trabalhei com ele algum tempo, quando eu era bem mais moço. E tem coisa aqui que eu vejo e me lembro dele — conta o artista Carlos Vergara, aos 82 anos, no espaço em que a sua exposição estava sendo montada, que é a casa que leva o nome de Iberê Camargo, de quem foi aluno e assistente.
A mostra Poética da Exuberância será inaugurada neste sábado (24) não somente na Fundação Iberê Camargo, mas também no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), que comemora os seus 70 anos com esta parceria inédita: uma exposição simultânea em dois templos culturais de Porto Alegre. São mais de 90 obras de Vergara compondo a exibição, que tem como curador Luiz Camillo Osorio. A visitação será até o dia 5 de maio (veja detalhes ao final do texto).
— É original e louvável que duas instituições da mesma cidade se reúnam e somem esforços para fazer uma exposição conjunta e de um artista tão representativo no Rio Grande do Sul como o Carlos Vergara. Apesar de ter saído muito jovem do Estado, as origens gaúchas dele nunca deixaram de estar presentes em sua obra — ressalta Osorio.
Nascido em Santa Maria, em 1941, Vergara foi viver em São Paulo com os pais quando tinha dois anos. Em meados de 1950, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou a sua carreira na década seguinte. Em sua trajetória de mais de 60 anos explorou os mais diferentes tipos de linguagens, como desenho, monotipia, fotografia e pintura — até cobertor virou tela nas suas mãos —, sempre reaproveitando suas ideias para dar um passo à frente com sua arte. Um inovador e vanguardista.
— Saí daqui ainda gurizinho. Meu pai, que era um reverendo anglicano, foi transferido para São Paulo, e fomos com ele. Mas eu sempre fui gaúcho. Isso é um sentimento que nunca me abandonou. Não estou falando isso para fazer farol aqui, por causa da exposição. É um sentimento gaudério, mesmo — afirma Vergara.
De fato, a paixão pelo Estado, mesmo à distância, nunca sumiu. Tanto é que, em meados dos anos 2000, viajou para São Miguel das Missões, visitando as ruínas das reduções jesuíticas e, desta jornada, criou uma série de pinturas para retratar a sua imersão naquele local em que aconteceu o encontro entre os indígenas e os missionários, séculos atrás.
O resultado foi um trabalho pulsante, poético e com cores intensas. Parte deste material está presente em Poética da Exuberância, com pinturas, monotipias e manipulações de fotografias do artista em 3D lenticular. São diversas formas encontradas por Vergara para eternizar em sua obra a sua terra e a história que ela conta.
— O Vergara é um destemido. É um artista que se recusa a se acomodar nas fórmulas encontradas. Quando ele percebe que o trabalho está ficando confortável do ponto de vista técnico, ele desloca e abre uma outra porta, experimenta outra técnica — explica Osorio.
Vergara complementa:
— Quem tem medo não faz arte. Uma tela em branco é sempre um desafio.
Sem olhar para trás
Vergara, hoje, anda com o apoio de uma bengala e evita ficar muito tempo em pé. Mesmo assim, durante a montagem da exposição, volta e meia ia até suas obras e verificava se estavam acomodadas devidamente ("Essa aqui precisa de um apoio", orientou). Segundo o próprio, é um eterno inquieto.
O motivo de sua dificuldade de locomoção, o seu problema no joelho, que teve que ser totalmente reconstruído, vem dos tempos de atleta, quando era jogador de vôlei. E não somente isso: nos anos 1960, formado em Química, passou em um concurso da Petrobras, além de pintar, desenhar e criar. Funções completamente distintas que exemplificam, inclusive, a grande mistura de sua obra — afinal, é o âmago do artista refletido nas telas.
— Eu dividi a minha vida entre a Petrobras, o voleibol e a pintura. Era o tempo todo em atividade. E eu tento, ainda, mesmo com ela aqui (aponta para a bengala) na mão. Ela tem nome, a Querida. Está sempre comigo. É a Querida que me apoia. Estou pagando o preço do voleibol. E não me arrependo de nada — salienta Vergara, impassível.
Este ar intrépido do artista o acompanha desde sempre. Reconhecido, ele exibiu as suas obras em locais consagrados mundo afora, participando de mais de 200 exposições, incluindo as bienais de São Paulo, de Veneza e do Mercosul. Porém, recorda que a sua primeira foi lá nos anos 1960, com ele próprio fazendo a sua mostra no bar do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Para isso, precisou apenas de seus desenhos, fita adesiva e, claro, ousadia:
— Eu queria um espaço importante para mostrar o trabalho que eu fazia. E o bar do Museu era um lugar onde a gente se encontrava, os alunos da Escola de Belas Artes e nós, os raivosos contemporâneos. E, pô, ninguém me convidava para fazer exposição. Aí eu falei: "Vou fazer sem convite". Aí peguei um rolo de Durex e colei tudo na parede. Foi a minha primeira exposição.
Mesmo com uma trajetória vitoriosa de mais de seis décadas, tendo o seu nome cravado na história da arte brasileira, Vergara segue na ativa, produzindo diariamente e sem se acomodar. O segredo dele para continuar descobrindo novas formas e estilos e seguir surpreendendo o público é deixar o passado para atrás e mirar o futuro, colocando o trabalho como uma forma de examinar a própria vida.
— Não olho para trás. Só olho para a frente, fazendo coisas novas. O que eu fiz está feito — afirma o artista, que já projeta as suas próximas façanhas, sem nunca abandonar o ar desbravador da juventude.
Carlos Vergara — Poética da Exuberância
- Abertura neste sábado (24), no Margs e na Fundação Iberê Camargo, em eventos gratuitos e abertos ao público. A visitação segue até dia 4 de maio em ambas as instituições.
- Abertura no Margs (Praça da Alfândega, s/nº – Centro Histórico): às 11h, seguida de visita guiada pelo artista e pelo curador no segundo andar expositivo (Galeria Iberê Camargo e Sala Oscar Boeira).
- Abertura na Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000 – Cristal): às 14h, seguida de conversa com o artista e o curador no auditório, às 16h. A exposição ocorrerá no segundo andar expositivo.
- Visitação no Margs: de terça-feira a domingo, das 10h às 19h, com entrada gratuita. O museu também oferece visitas mediadas, perante agendamento por e-mail: educativo@margs.rs.gov.br.
- Visitação na Fundação Iberê Camargo: de quinta-feira a domingo, das 14h às 18h30min. Até o final de fevereiro, a entrada é franca de quinta a domingo. A partir de março, a entrada volta a ser gratuita às quintas-feiras, e, de sexta a domingo, os ingressos custam entre R$ 10 e R$ 30, à venda pelo Sympla. As visitas mediadas às exposições em cartaz devem ser agendadas pelo e-mail agendamento@iberecamargo.org.br ou pelo telefone (51) 3247-8013.