Por Neiva Bohns
Crítica de artes visuais, professora e pesquisadora na UFPel
Depois de vários anos sem realizar exposições, o escultor Mauro Fuke (1961) apresenta um conjunto de peças desenvolvidas ou finalizadas durante o período da pandemia. Na exposição O Rio, a Nuvem, o Arquipélago e a Árvore, em cartaz no Instituto Ling até o final do ano, quatro obras inéditas podem ser apreciadas pelo público.
Como o título indica, a alusão aos fenômenos da natureza foi, sem dúvida, o ponto de partida do artista. Entretanto, não esperem os visitantes encontrar representações óbvias de rios, nuvens, arquipélagos e árvores. Pelo contrário, verão peças de grande complexidade, construídas desde os primeiros esboços até a configuração final. São traduções poéticas sobre temas de seu interesse, feitas em madeira, pelas ações de subtração, configuração e montagem.
No Rio, as peças avulsas podem se expandir e se contrair, ocupando o espaço de maneiras diversas. Na Nuvem, um mecanismo de encaixes, passível de mobilidade, dá forma a uma peça articulada que parece fundir as tradições plásticas do Ocidente e do Oriente. No Arquipélago, três peças esculpidas equilibram-se sobre bases pontiagudas, num desafio de engenharia. Na Árvore, o mesmo bloco de madeira assume uma conformação expressiva (que faz pensar nas obras da escultora Maria Martins), provocando reflexões sobre forças que se desenvolvem em polos opostos, sejam elas da natureza, ou oriundas dos impulsos psíquicos vitais.
De origem nipônica, o gaúcho Mauro Fuke desde a infância aprendeu a trabalhar com diferentes materiais, pela convivência com a mãe, exímia artesã que, nonagenária, continua ativa. Decidido a ingressar na universidade, chegou a pensar em ser engenheiro. Mas o interesse pelas manifestações artísticas – incluindo a música – e o incentivo de alguns amigos o levaram a ingressar no Instituto de Artes da UFRGS, na fértil década de 1980.
Na sua maneira atenta, disciplinada e silenciosa, absorveu muitas informações de professores e colegas artistas. Com Rose Lutzenberger, por exemplo, aprendeu os segredos presentes nas formas da natureza, como a proporção áurea, conhecida pelos gregos antigos. Com Romanita Disconzi descobriu que seu trabalho poderia se desenvolver a partir da pesquisa com madeira, material que já conhecia profundamente. E com outros professores compreendeu o funcionamento do sistema das artes, assumindo a carreira de artista como profissão.
Fuke, artista da chamada “geração 80”, que optou por viver distante do burburinho das cidades grandes e não é muito afeito às badalações sociais, mantém seu ateliê no mesmo lugar onde reside com a esposa, a também artista Lia Menna Barreto, num sítio protegido pela natureza. Todos os dias repete o mesmo curto trajeto, entre a casa e o ateliê, deixando-se envolver pelo ambiente criativo da oficina, com seus equipamentos, ferramentas e materiais de trabalho.
Nesta exposição, organizada a muitas mãos, com participação de diversas equipes, optamos pela clareza na apresentação das peças e pela neutralidade do ambiente expositivo. Contando com expografia precisa de Ceres Storchi, as obras de Mauro Fuke se entregam à apreciação atenta, cuidadosa e interessada. Para receber o público, um vídeo especialmente produzido para essa mostra, de autoria de Caio Amon, apresenta o artista inserido no ambiente de trabalho no qual as obras são produzidas, fora do “cubo branco”, com toda sua carga de informações e sua riqueza de elementos.
Cercado de seus lindos jardins floridos, o Instituto Ling abriga, durante os próximos meses, um ambiente gerado exclusivamente pelo mundo da arte. O espaço expositivo passa a funcionar, assim, como um pequeno laboratório de estética, alimentado pela visão de um artista brasileiro que sabe, como poucos, dar forma as suas ideias. Há muita serenidade e beleza em todas essas ações, para nos dar alento e esperança por dias melhores.
A exposição
O Rio, a Nuvem, o Arquipélago, e a Árvore. Obras de Mauro Fuke, com curadoria de Neiva Bohns. Visitação até 30 de dezembro, de segunda a sábado, das 10h30min às 20h. Há a possibilidade de realizar a visita com mediação, às sextas e aos sábados, às 16h e às 18h, mediante agendamento em institutoling.org.br. Na galeria do Instituto Ling, Rua João Caetano, 440, em Porto Alegre.