Ao caminhar pelas ruas de Porto Alegre, não é incomum deparar com uma obra de arte em frente a uma construção recente. Elas variam de tamanho e formato, podendo ser esculturas, vitrais, painéis ou murais, mas estão lá, fazendo a ligação da população com a cultura. E o fator responsável por esta experiência, que enche os olhos de quem vê e também oportuniza trabalho para artistas, tem nome. Na verdade, tem número.
A Lei 10.036/06, proposta pelo então vereador Raul Carrion (PCdoB), sancionada há 15 anos, mas regulamentada há 10, determina a colocação de obras de arte de visibilidade pública em novas edificações com área maior que 2 mil metros quadrados. E, desde a sua aplicação, já rendeu frutos: ao total, 180 criações foram espalhadas pela Capital, transformando gradativamente a imagem da cidade, balanceando modernas construções com a produção artística. Agora, uma exposição em cartaz na Capital destaca esse legado (leia mais abaixo).
José Francisco Alves, doutor em História da Arte e professor do Atelier Livre Xico Stockinger, acredita que a Lei 10.036/06 é "uma daquelas que pegaram" e celebra as mudanças que trouxe para Porto Alegre:
— É um grande incentivo para que a população possa apreciar mais arte. Temos uma quantidade muito importante de artistas e escultores, e essa lei propicia que eles trabalhem mais e produzam bens simbólicos. Já a nossa vida cotidiana, tão conturbada, com essas obras ganha um alento.
Galeria a céu aberto
Para a coordenadora de Artes Plásticas da Secretaria Municipal da Cultura (SMC), Adriana Boff, a Lei 10.036/06 tem dois pontos fundamentais: o primeiro é transformar a cidade em uma galeria a céu aberto, aproximando cada vez mais as pessoas da arte. O segundo é sua importância para a economia criativa, apresentando mais trabalhos para os artistas realizarem.
— Ter um ponto de mercado a mais é muito relevante. E, além disso, com a lei, as pessoas vão passando diariamente pelas obras. Com isso, vai se criando no subconsciente delas essa presença da arte. Essa convivência é muito importante e ajuda a construir uma geração que vai estar mais próxima da cultura — aponta Adriana.
Essa produção destinada à exposição pública destaca as artes visuais contemporâneas em especial para as pessoas que não frequentam museus ou outros espaços de contemplação artística. Em frente aos novos edifícios de Porto Alegre, além de obras de artistas de diferentes cidades gaúchas, podem ser encontrados trabalhos de criadores de Florianópolis, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, bem como de outros países.
O arquiteto e urbanista Vinicius Vieira, representante do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), acredita que a legislação coloca Porto Alegre "em outro patamar", uma vez que reconhece a arte pública como importante no desenvolvimento da cidade.
— É a possibilidade de cerca de 1,5 milhão de pessoas terem acesso às artes visuais. Com isso, aos poucos, a população vai compreendendo a importância da arte urbana neste cenário de bem-estar social — explica o arquiteto.
Agregando valor
José Francisco Alves reforça que Porto Alegre vem se destacando positivamente por ter um acervo de arte pública importante. Segundo ele, os empreendedores têm contratado bons artistas para construírem as obras, e isso demonstra que eles passaram a enxergar valor na iniciativa.
— Tanto é que temos obras de artistas como Carlos Vergara, Gustavo Nakle, Felix Bressan, Bez Batti, Túlio Pinto. Os empreendedores percebem que isso qualifica suas construções e estão investindo cada vez mais, mesmo sem precisar, já que eles escolhem o tamanho, o tipo e o valor da instalação — relata o professor, destacando que, em alguns lugares, as esculturas são grandiosas, com valores que chegam aos seis dígitos.
Já Adriana Boff percebe que, cada vez mais, o empreendedor, o arquiteto e o artista estão trabalhando juntos na concepção das obras, "pensando nelas desde o início do projeto arquitetônico", o que vem gerando peças de impacto cada vez maior. Em sua percepção, esses projetos acabam marcando positivamente o empreendimento, que passa a ser conhecido como "o prédio da obra tal".
— Quem sabe, no futuro, nem precisemos ter uma lei, pois pode entrar na cultura do empreendedor colocar uma obra de arte em seu prédio — acredita.
Vinicius Vieira, por sua vez, diz que as obras de arte, quando situadas em locais de grande visibilidade, tornam-se bens de natureza material e imaterial, portadoras da identidade das comunidades.
— De certa forma, é um novo empreendimento estendendo a mão para o bairro onde ele se instala e criando relações de aproximação com a comunidade — reflete o arquiteto e urbanista.
Facilidade
Porto Alegre, com a sanção da Lei 10.036/06, coloca-se ao lado de outras cidades do Brasil e do mundo. A SMC destaca, porém, que a legislação da Capital preza por garantir agilidade e não gerar burocracia. Não há, por parte do município, qualquer avaliação de mérito, de forma ou de valor da obra de arte. O construtor é quem define o artista, bem como o tamanho e o material da obra que deseja colocar no empreendimento.
Os artistas plásticos que forem contratados por empreendedores ou os que querem se colocar à disposição para novas obras devem se cadastrar em um formulário aberto permanentemente na prefeitura. Após a inscrição e a comprovação de que o artista atua realmente na área, de um dia para o outro, ele estará apto a executar as obras de arte nas construções.
— A gente tem tentado, cada vez mais, agilizar os processos e reduzir os trâmites. Não é para ser uma lei que dificulte, que seja mais uma liberação pendente para o empreendedor — reforça Adriana Boff.
Exposição
Para celebrar os 15 anos da legislação, a SMC, através da Coordenação de Artes Visuais, abriu a exposição Porto Alegre! Mais Arte ao Público: Reflexos da Lei 10.036, na Pinacoteca Aldo Locatelli do Paço Municipal (Praça Montevidéu, 10, no Centro Histórico). A mostra, que reúne registros das obras espalhadas pela cidade, permanece com visitação gratuita até esta sexta (15), das 9h às 12h e das 13h30min às 17h.
A curadora da exposição, Sabrina Stephanou, que é gestora cultural e bacharel em Turismo, acredita que, com a lei, Porto Alegre está cada vez mais embelezada, humana e com qualidade de vida. Segundo ela, esse movimento na cidade é um investimento que agrega ao turismo e à economia da cultura, fomentando a cadeia de artistas e demais profissionais atuantes do setor.
— Isso também é muito importante no contexto atual de valorização da economia criativa no espaço urbano como um vetor de desenvolvimento econômico, que acaba impactando em grande parcela da população, de forma direta ou indireta — pontua.
Sabrina ainda realça que os novos edifícios, que abrigam as obras de arte, estão oportunizando à cidade passeios mais animados, descentralizando a cultura nos bairros e fortalecendo novos laços de vizinhança. Além disso, ela projeta como a lei pode afetar a Capital no futuro:
— Nos próximos 10 anos, teremos uma nova cidade, em afinado diálogo entre arquitetura e arte, pois cada escultura ou painel instalado cumpre o papel de indução e integração do empreendimento ao lugar em que se instala, impactando muito positivamente a vida dos cidadãos, com reflexos também na formação das nossas crianças e adolescentes. A arte faz bem.