Quantas mulheres estão nas coleções públicas de arte em Porto Alegre? Até agora só era possível afirmar que eram menos do que homens, como é regra na história da arte. Uma nova pesquisa traduziu essa disparidade em números: dos mais de 2 mil artistas com obras nos acervos da Capital, apenas 764 são mulheres (32%) e 1.388 são homens (58%).
Os primeiros dados do levantamento, que será aprofundado nos próximos meses, serão divulgados nesta sexta-feira (28), na abertura da exposição Artistas Mulheres: Territórios Expandidos, que marca o início do 33º Festival de Arte da Cidade de Porto Alegre.
Quem está à frente do projeto é o grupo de pesquisa Mulheres nos Acervos, composto por Cristina Barros, Marina M. Roncatto, Mel Ferrari e Nina Sanmartin. As quatro se conheceram em uma disciplina do curso de História da Arte na UFRGS e iniciaram o projeto, de maneira independente, em novembro de 2018. Desde então, mapearam a presença de mulheres nos cinco acervos públicos da Capital: Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (do Instituto de Artes da UFRGS, de propriedade federal); o Margs e o MACRS (museus estaduais); e as pinacotecas Aldo Locatelli e Ruben Berta (municipais). Lidaram com um universo de 10 mil obras, planilhando tanto os dados das peças (como técnica e data) quanto dos autores (local e data de nascimento, gênero, etnia, etc).
— Comprovamos que os números são muito discrepantes. Os acervos públicos contam a história da arte do Estado. E é uma história masculina e branca — afirma a historiadora da arte Mel Ferrari, acrescentando que até agora só identificaram quatro mulheres negras nos acervos (o número pode mudar, já que o critério é a autodeclaração).
Discrepância começa a diminuir no século 20
Feita a coleta de dados, as pesquisadoras começam a analisá-los. Na primeira etapa, já surgiram curiosidades, como a técnica preferida pelas mulheres: a gravura, seguida pela pintura. A campeã de obras, com cerca de 200 listadas no Margs, é Christina Balbão. Magliani e Maria Tomaselli também estão bem representadas.
– Christina foi a primeira professora do Instituto de Artes (da UFRGS). Mas quem olhar o Dicionário de Artes Plásticas do RS, vai achar só um parágrafo sobre ela – conta Mel, que estudou a artista.
Na Pinacoteca Aldo Locatelli, onde será aberta hoje a primeira exposição do projeto, somente 28% dos artistas são mulheres (181 nomes). Para tirá-las dos porões e levá-las à galeria, o grupo selecionou 30 trabalhos de autoras menos conhecidas. O ponto de partida foram as temáticas que “cabiam às mulheres” no começo do século 20: naturezas-mortas, paisagens e retratos.
— Não há cenas históricas feitas por mulheres nessa época. Mas há nus, embora elas não pudessem fazer aula de modelo-vivo – explica Mel, lembrando que naquele período elas eram maioria entre os estudantes de arte, mas tinham dificuldade de se inserir no mercado, especialmente após casarem.
Segundo a pesquisadora, a discrepância entre os gêneros decai na década de 1940. O acervo do MACRS, que começa a ser construído nos anos 1990, com nomes mais jovens, é o mais equilibrado.
Cada instituição deve receber exposição própria: em novembro será na UFRGS, em dezembro no Margs e em março de 2020 no MACRS. Há planos de publicar artigos e um livro. A expectativa é de que, uma vez disponibilizados ao público, os dados alimentem outras pesquisas. Mas o impacto do trabalho já começa a ser sentido em várias frentes: derrubando mitos como a superioridade técnica dos homens, iluminando nomes esquecidos nos porões das instituições e incentivando-as a mudarem suas políticas. É o que promete a coordenadora de Artes Plásticas da prefeitura, Adriana Boff:
— Essa pesquisa é o primeiro recorte sistemático disso e traz um resultado alarmante. A partir dele, vemos várias coisas que precisam ser pesquisadas, como os motivos. A Pinacoteca Aldo Locatelli, por exemplo, começa a ser montada com retratos de prefeitos, então tem mais representatividade masculina. É um tema importante para repensar aquisições.
— Queremos que críticos e curadores façam esse exercício de, ao montar uma exposição, pensar na equidade de gênero. Que os pesquisadores incluam mulheres nas suas pesquisas — declara Mel.
Programe-se
Exposição Artistas Mulheres: Territórios Expandidos
- Abertura nesta sexta-feira (28), às 18h30min
- Pinacoteca Aldo Locatelli, no Paço Municipal (Praça Montevidéu, 10), no centro de Porto Alegre
- Visitação de segunda a sexta, das 9h às 12h e das 13h30min às 17h30min. Até 4 de outubro
Bate-papo Mulheres Nos Acervos: a presença da produção artística feminina nas coleções públicas de arte de Porto Alegre
- 5 de julho, das 17h30min às 18h30min
- Sala Álvaro Moreyra, no Centro Municipal de Cultura (Av. Erico Verissimo, 307), no bairro Menino Deus