Vinte moradores da comunidade do Quilombo do Areal, no bairro Menino Deus, tiraram a manhã deste sábado (5) para visitar as obras da 11ª Bienal do Mercosul. O passeio completa uma ação iniciada em março, em que o grupo teve aulas, ao longo de todo o mês, com a artista brasiliense Camila Soato, que expõe na Bienal. Essa foi a primeira vez na exposição para 19 pessoas do grupo, que nunca haviam passado pelo local.
Conforme a curadora adjunta da Bienal, Paula Borghi, uma pesquisa feita pela organização indicou comunidades quilombolas no Estado. Na Capital, a comunidade quilombola chama atenção por sua força matriarcal e por desenvolver atividades que cultivem sua cultura, como dança e artesanato. Já a pintora, Camila, tem trabalhos que abordam a figura feminina. Juntar as duas pontas foi a forma que a curadoria encontrou para que artista e quilombolas puderam trocar experiências sobre vida e arte.
— Nossa ideia é mostrar que essas pessoas existem, que estão na cidade. Quebrar esse mito de que elas estão sempre em um canto afastado: as pessoas do Areal vivem em região central, no Menino Deus, resistindo. A gente queria mostrar pra comunidade que eles podem ampliar sua visão sobre arte, sobre materiais, mas elas nos ofereceram muito mais do que isso em troca — conta Paula.
Liderança comunitária do Areal, Fabiane Figueiredo Xavier fez o curso acompanhada da mãe, Sônia Maria, e do filho, Roger, único homem em meio às 19 alunas mulheres. Localizada entre os bairros Menino Deus e Cidade Baixa, a comunidade tem cerca de 200 moradores, em sua maioria aposentados. Hoje com associação própria, o local desenvolve atividades com artesanato, como colares feitos de papel, música e dança. Fabiane explica que foi o levante feminino impulsionou a resistência da comunidade.
— Foram as nossas mulheres que, ao perceberem que tentariam nos tirar do nosso local, criaram a associação há anos, para dialogar com o poder público. Também fundaram o grupo de mães para ajudar as que tinham filhos pequenos. Elas estiveram presente em todo o nosso processo de organização — explica.
O curso, na visão de Fabiane, foi uma forma de desenvolver laços de carinho e aflorar talentos na comunidade, mas também um momento para jovens quilombolas se posicionem sobre suas visões políticas e sociais.
Aos 73 anos, Eunice da Silva Soares era a única no grupo que já desenvolvia trabalhos artísticos mais aflorados antes do curso. Interessada por pintura deste criança, ela comprou tinta, tela e uma revista há alguns anos e decidiu que aprenderia a pintar. Descobriu como misturar as cores, fez máscaras africanas com argila, uniu retalhos que viraram bolsas. No curso de março, teve a companhia da neta de oito anos, pra quem pode passar seus conhecimentos.
— Parece que a gente é Deus criando alguma coisa. Agora eu estou ainda mais animada, vou fazer isso até o fim dos meus dias — conta.
Os vinte moradores percorreram, na manhã deste sábado, as exposições concentradas no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), no Memorial do RS e no Santander Cultural. As obras ficam nos locais até 3 de junho.