A literatura e a imagem da noite como um território desconhecido, dos sonhos e da ficção são os temas da nova exposição da Fundação Iberê Camargo (FIC). Inaugurada no último sábado, Unânime Noite – Volume 3 reúne obras de 30 artistas contemporâneos, articulando nomes de destaque na cena local, nacional e internacional. Trata-se da terceira edição da mostra, que já foi realizada na galeria Bolsa de Arte de São Paulo, em 2015, e no Centro de Arte Contemporânea de Vilnius, na Lituânia, em 2016.
A exposição parte da proposição do diretor artístico da FIC, Bernardo de Souza, que se inspirou na literatura pensando em si mesmo como autor e na mostra como um romance no qual cada obra é uma pista para construção da narrativa. Por isso, o primeiro artista convidado a participar foi o escritor e curador lituano Raimundas Malasauskas, que escreveu o texto You Know (espécie de primeiro capítulo da mostra). Souza enviou o texto aos outros artistas, que responderam com obras (muitas inéditas) a ele relacionadas.
Outras inspirações literárias incluem Jorge Luis Borges (o título da mostra foi extraído do conto As Ruínas Circulares), Julio Cortázar (o livro Jogo da Amarelinha) e o jogo surrealista Cadáver Esquisito, na qual vários autores constroem uma frase sem tomar conhecimento do que os outros escreveram.
A relação com a literatura é explícita em obras como Com Palavras de Palavras por Palavras, Palavras, da mineira Marilá Dardot, instalação na qual uma máquina de escrever traz uma longa folha com frases garimpadas em livros. Elemento fundamental da produção da gaúcha Elida Tessler, o texto aparece na instalação Ist Orbita (2011–2018), composta por uma enciclopédia com 137 volumes de páginas pretas com letras prateadas.
– O trabalho nasceu de um desejo do Donaldo Schüler de atualizar o Mito do Orfeu. Trabalha as dualidades vida/morte, preto/branco, dentro/fora – elucida Elida, que trabalhou em parceria com Schüler, reeditando uma obra apresentada na 8ª Bienal do Mercosul e na galeria Bolsa de Arte.
Representante brasileira na última Bienal de Veneza, onde teve grande repercussão, a mineira Cinthia Marcelle está presente com três trabalhos da série Déjà Vu (2017): cada um traz uma garrafa furada preenchida com pedras. Como essa, há outras obras que provocam um estranhamento ao usar objetos cotidianos, como a gravura Plugged 2 (2011), de Regina Silveira, em que dois dedos entram numa tomada, ou Conjunção Adversativa (2017), da dupla Ío, com um espéculo perfurando a parede.
– O espéculo é um objeto ao mesmo tempo elegante em seu material e nas suas formas, mas remete a uma situação de vulnerabilidade. E ao inseri-lo na parede, faz com que aquela superfície passe a ser vista como um corpo – comenta Laura Cattani, integrante do Ío ao lado de Munir Klamt.
Ao percorrer as salas, o visitante verá ainda obras de Iberê Camargo, principalmente autorretratos.
– Se eu sou mais o narrador de uma história do que o curador, o Iberê é uma espécie de anfitrião – afirma Bernardo de Souza.
Unânime Noite – Volume 3 é a terceira curadoria de Souza em um ano como diretor artístico da FIC. Em sintonia com a meta da instituição de abrir-se a outras artes, está prevista uma programação paralela de seminários, sessões de cinema e saraus (veja abaixo).
– A FIC passou a ser o que gostaríamos, uma espécie de eixo gravitacional de diferentes artes e pessoas. Porto Alegre tem muitas pessoas talentosas, mas muito pouca articulação entre elas.
Caso a captação de recursos seja bem sucedida em 2018, a celebração dos 10 anos de inauguração da FIC terá uma programação em homenagem ao arquiteto do prédio, Álvaro Siza. Outro plano para este ano é constituir uma biblioteca a partir de sugestões e doações de artistas como Elida Tessler, Fernanda Gassen e Michel Zózimo.
Serviço
Unânime noite – volume três
Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000, 2 e 3º andares)
Visitação: sábados e domingos, das 14h às 19h. Até 6 de maio. Entrada franca. De quarta a domingo, a FIC também abre para grupos que agendarem visita pelo telefone (51) 3247-8000.
A exposição: coletiva com obras de 30 artistas contemporâneos. Curadoria de Bernardo de Souza.
Programação paralela: Cabaret Unânime Noite, ainda sem data, contará com música, performance, cinema e leituras. Aos domingos, o Cine Iberê, exibirá filmes que ampliam as reflexões sobre a proposta da mostra. Aos sábados, às 16h, o seminário O Império dos Sonhos - Loucura, Fantasia e Surrealismo promoverá conversas, leituras e debates em torno dos temas da noite, da loucura e do absurdo – os convidados são o curador Leo Felipe (17/3), a escritora e jornalista Veronica Stigger (24/3), o artista uruguaio Pablo Uribe (14/4).