A exposição do concurso de fotojornalismo tcheco Czech Press Photo pode estragar o seu dia, se você deixar. Em uma das primeiras fotografias à vista nas Salas Negras do Margs, a tromba de um elefante desponta de um rio marrom. Talvez ele esteja dando um mergulho? Ao lado da imagem assinada por René Jakl, uma etiqueta explica: "Últimos minutos do elefante Kádir no zoológico de Praga tomado pela enchente, 13/8/2002". Tente olhar de novo, se tiver força.
Nas outras paredes, as fotografias continuam a insinuar histórias interrompidas. Duas imagens singelas de documentos rasgados foram a estratégia conceitual que Robert Tappert encontrou para pensar a situação dos refugiados. De novo, é a etiqueta que desfere o golpe: "Fotografia de identidade. Parte dos documentos danificados encontrados nas florestas da fronteira entre Sérvia e Hungria. Agosto de 2015". Impossível não imaginar a circunstância em que essas pessoas perderam a identidade, talvez o bem mais valioso que possuíam.
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Ao todo, 50 imagens integram a mostra, que marca as duas décadas do Czech Press Photo – 21 foram escolhidas a "foto do ano" entre 1995 e 2015. Espelhando o irmão mais famoso, World Press Photo, o concurso faz exposições itinerantes com as imagens premiadas. A exibição chegou a Porto Alegre devido ao intercâmbio cultural firmado entre o Rio Grande do Sul e a República Tcheca, em 2016.
Assinadas por autores tchecos e eslovacos, as imagens abordam questões locais e internacionais. Ampliadas em uma escala modesta, não chegam a deslumbrar – como nas mostras espetaculares do World Press Photo –, mas surpreendem, doem e provocam reflexão.
Há registros do sofrimento humano em Ruanda, Kosovo e Beslan, e também de conflitos íntimos (e universais), como a disputa de um casal pela guarda do filho. Mas nem tudo é dor. Ao lado de dois sobreviventes do Holocausto, um avô dá gargalhadas com o neto. Um grupo de fotos registra o sucesso dos atletas checos nos Jogos Paralímpicos de Atenas, em 2004, outro retrata a rotina de Václav Havel, último presidente da Tchecoslováquia e duas vezes presidente da República Tcheca.
Se você deixar, a exposição Czech Press Photo vai lhe encher de alegria. A sua realização é motivo de celebração, pois até 1989 o fotojornalismo praticamente não existia na Tchecoslováquia, que vivia sob o regime comunista. O medo não impediu um dos maiores fotojornalistas de todos os tempos, o checo Josef Koudelka, de cobrir a ocupação de Praga pela União Soviética em 1968. Mas ele se protegeu assinando como P.P. (Prague Photographer), fugiu da terra natal e não colocou os pés lá até 1991. Em 1995, apenas seis anos depois do colapso do regime, o concurso Czech Press Photo foi criado.
A mostra fica em cartaz até 12 de março, de terças a domingos, das 10h às 19h.
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