O ruído de marretas e esmerilhadeiras ressoa alto na pequena Rua Rolando Gude, em Bento Gonçalves. Quem se aproxima enxerga uma nuvem de pó escapando de um toldo e, através dela, homens usando macacões, máscaras e luvas. Eles pacientemente abrem pequenos sulcos em rochas de até 10 toneladas. É um canteiro de obras, obras de arte.
Uma jovem explica aos passantes curiosos que os operários são artistas de várias partes do mundo. Desde o dia 4, cumprem expediente para dar forma a enormes esculturas, das 9h às 18h, folgando às segundas. Eles seguem nesse ritmo até domingo, quando termina o Simpósio Internacional de Escultores em Bento Gonçalves. O evento está na quarta edição, mas, para muitos, ainda é uma surpresa. Assim como a experiência de assistir a uma obra sendo criada.
– Vemos sempre as obras prontas. É fantástico ver o processo – admira-se o estudante de física Fabio Buffon, 22 anos.
Ainda que a poeira e o barulho não convidem à conversa, os transeuntes são encorajados a abordar os artistas.
– Quando as pessoas veem o quão duro os artistas trabalham, apreciam e têm mais respeito pela arte – diz o escultor turco Kemal Tufan, curador do evento.
Tufan, responsável por 17 simpósios em Istambul, faz um paralelo entre o evento em Bento Gonçalves e o primeiro simpósio do qual participou:
– Foi em 1993, numa cidade da Turquia onde ninguém fazia ideia do que são esculturas. Após 10 anos, crianças que nos viram trabalhar se tornaram artistas. É claro que muitos aqui não estudarão arte, mas o jeito como olham a arte vai mudar, vão entender o que é arte contemporânea.
Diversidade cultural
A partir de 148 inscrições recebidas, Tufan selecionou 10 escultores de 10 países, privilegiando a diversidade de culturas, estilos e idades – que variam de 32 a 67 anos. Em comum, eles têm a bagagem do trabalho em pedra, necessária para lidar com o granito rosa, pedra gaúcha típica conhecida pela dureza.
– O granito tem uma linguagem e pode ser difícil "falar" com ele. É uma pedra realmente compacta. Gosto da cor, que é cinza e, depois do polimento, fica marrom – detalha o turco Ümit Turgay.
O único artista a usar basalto é o francês François Weil. Seu trabalho é o primeiro a ser finalizado: uma obra interativa na qual uma pesada pedra é equilibrada sobre outra e, por meio de um freio de caminhão, pode ser girada com um leve toque. As outras obras expõem a variedade de estilos: da figura humana assinada pelo chinês Qian Sihua às formas orgânicas dos trabalhos do brasileiro Jorge Schröder e da italiana Francesca Bernardini, passando pela abstração geométrica do grego Antonis Myrodias e do holandês Jerome Symons. O mar é a inspiração do espanhol Nando Álvarez, enquanto a arquitetura persa é a referência do iraniano Majid Haghighi. O turco Ümit Turgay Durgun e o alemão Jo Kley representam seres mágicos, uma fênix e um dragão.
Cada artista tem as despesas pagas e recebe um cachê de R$ 10 mil. Álvarez valoriza a chance de conviver com artistas:
– Há um intercâmbio cultural e também de técnicas de trabalho nos Simpósios. Vemos vários tipos de trabalhos e falamos com gente de outros países.
Nesta edição do evento, uma programação paralela foi lançada para ampliar o diálogo entre artistas estrangeiros e locais. Em uma tenda, ocorre o Encontro de Escultores Gaúchos em Pedra. Desde o dia 18, o trio Hidalgo Adams, Ricardo Aguiar e Ricardo Kersting esculpe blocos de 400 quilos de mármore moura do Espírito Santo. Também na rua, há uma mostra com esculturas de artistas gaúchos.
Destino das esculturas
O orçamento desta edição é de R$ 600 mil. O homem que aposta alto na arte é Tarcísio Michelon, por meio do instituto que leva seu nome. Diretor-executivo da rede de hotéis Dall'Onder, ele é famoso por capitanear projetos turísticos em Bento Gonçalves, como o trem Maria Fumaça, o Vale dos Vinhedos e o Caminhos de Pedra – é nessa rota, que recebe 80 mil turistas por ano, que Michelon constrói o Parque Domadores de Pedra, destino das esculturas do simpósio. Com as 13 novas peças, o parque somará 45 esculturas, que poderão ser vistas a partir de 2017.
O empreendedor tem grandes aspirações para o parque. Deseja integrar arte e natureza, seguindo a fórmula do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, e ainda agregar animais à experiência. Com a receita dos ingressos, ampliará a atuação do instituto Tarcísio Vasco Michelon, que desenvolve atividades musicais com 160 crianças e dará continuidade aos simpósios.
Para o futuro, Michelon tem um sonho maior: tornar Bento Gonçalves referência em escultura.
– Pensamos que um dia poderíamos criar uma lei de incentivo à escultura e cursos para fomentar a escultura como profissão – projeta o executivo.
Por ora, ele admite que há muito trabalho pela frente, como tornar o Simpósio mais conhecido.
– O público não é espetacular, mas, como pensar em turismo com esculturas é algo novo, esse processo é lento.
Assista a vídeo para saber mais sobre o Simpósio Internacional de Escultores em Bento Gonçalves:
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