
Paralelamente às atrações que integram a 14ª Bienal do Mercosul, o Farol Santander Porto Alegre abriu espaço para uma nova e disruptiva experiência artística: uma exposição que respira junto com o público, muda de forma com o tempo e desafia a lógica da autoria na arte. Em Torno do Sol – Monomento está aberta para visitação até 31 de agosto, com entrada gratuita (veja horários ao final).
Disposta em duas salas do térreo da instituição, a mostra apresenta obras assinadas coletivamente pelos gaúchos Andressa Cantergiani, Cássio Carvalho, Guilherme Dable, Leo Caobeli, Nelson Azevedo, Ricardo Aguiar, Ricardo De Carli e Selene Sanmartin. A curadoria e a direção artística são de André Severo.
O ambiente expositivo montado pelo grupo cria uma atmosfera de descolamento da realidade. Com projeções em 360º, vídeos, elementos orgânicos e uma trilha sonora que envolve o espectador, a exposição propõe ao público uma experiência imersiva.
O tempo de cada um
O convite é para que o visitante vá além da observação: ali, é preciso desacelerar o relógio e se entregar a uma vivência que não se dá no tempo do mundo, mas no tempo da arte.
— Não é que quisemos produzir uma suspensão de tempo, mas, em algum momento do processo, percebemos que esse trabalho evocava um outro tipo de temporalidade — relata Severo, o curador. — Não sabemos exatamente que tempo é esse, porque ele será diferente para cada um. Nosso desejo é que a pessoa entre e saia dessas salas quantas vezes quiser e viva essa deriva da sua forma particular.
Já as paisagens urbanas que integram as obras confundem a temporalidade ao tensionar as relações do homem com o planeta. Ao olhar para as cenas projetadas em video mapping, todas representantes de uma natureza preservada, é difícil entender de que tempo fala a exposição. Ao adentrar o ambiente expositivo, estaríamos em um cenário que retrata o antes ou o depois da presença humana na Terra?
Não há alternativa certa. Severo explica que a intenção da mostra é, justamente, lançar mais perguntas do que respostas.
— Lygia Clark (pintora e escultora brasileira, 1920-1988) dizia uma coisa que para mim é um norteador: "Produzir um trabalho de arte é sempre convidar para um diálogo" — contextualiza o curador. — Este é um diálogo que vem de outro lugar da linguagem, que oferece às pessoas uma possibilidade de ver o mundo e de sentir as coisas de forma diferente. Se conseguirmos lançar uma interrogação que seja em quem passar por aqui, já está valendo esse trabalho.
Gênese na enchente
A mostra tem raízes no trauma coletivo que marcou o Rio Grande do Sul em maio passado. Severo havia acabado de abrir uma exposição imersiva em seis salas do subsolo do Farol Santander quando a água vinda do Guaíba tomou conta do espaço, menos de um mês após a abertura.
Com exceção de alguns poucos equipamentos que puderam ser recuperados, toda a exposição foi destruída pela enchente. O título era Em Torno do Sol, de modo que esta nova mostra é uma espécie de continuidade da antecessora que sucumbiu à ira da natureza.
Contudo, Em Torno do Sol — Monomento não reproduz o que foi visto na exposição original. Trata-se de um trabalho artístico novo, pensado para um espaço físico que é menor que o anterior, mas que comunga com a mesma intenção de diálogo.
— Quando surgiu a proposta do Farol Santander, a primeira questão que veio foi como fazer uma exposição mais enxuta, mas que ainda fosse potente — lembra Severo.
Força do coletivo
A solução encontrada pelo curador foi desafiar a lógica da autoria individual e propor uma criação coletiva do início ao fim. A ideia não foi escolher artistas ou obras, mas selecionar um grupo heterogêneo disposto a pensar de forma colaborativa.
— Começamos a fazer encontros para ver o que saía dali e, claro, quando tu botas todo mundo para pensar junto, todo mundo tem ideias que não necessariamente casam. Em um primeiro momento, parecia que isso não ia funcionar, mas quando encontramos algo que podia ligar tudo, não paramos mais de trabalhar — relata Severo.
O resultado não poderia ter sido mais satisfatório: todas as obras que integram a exposição carregam uma multiautoria. O objetivo não era destacar nomes, mas dissolvê-los.
— Não queríamos fazer dessa uma exposição na qual o público entra e percebe que essa obra é de fulano e aquela outra é de ciclano — explica o curador. — A proposta foi desmontar a individualidade e expandir a poética de cada um para construir algo coletivo. Todo mundo interferiu de alguma forma em tudo o que está na exposição. Acho que o mais importante desse trabalho é, justamente, não fazer uma ode ao indivíduo, mas à força do coletivo.

Novos elementos
Como um organismo artístico vivo, a mostra deverá se transformar no decorrer da temporada, adianta Severo. A intenção do curador é incorporar diferentes tipos de performances artísticas à experiência do público durante o período em cartaz.
Também é possível que novos elementos sejam incorporados ou que a disposição das obras seja alterada. O objetivo é que ninguém tenha a mesma experiência ao visitar a mostra mais de uma vez.
O plano também é se movimentar para além do Farol Santander. Após a temporada na instituição cultural, o grupo almeja levar a mostra para outros lugares.
— Essa exposição tem um potencial grande de viajar. Pode se moldar a espaços diferentes e pode, inclusive, ser ampliada — projeta o curador.
"Em Torno do Sol — Monomento"
- No térreo do Farol Santander (Rua Sete de Setembro, 1.028), em Porto Alegre
- Visitação de terça a sábado, das 10h às 19h, e domingos e feriados, das 11h às 18h, até 31 de agosto
- Entrada gratuita