
Após um início de ano marcado por embaraços na economia interna e externa, o percentual de empresas com dívidas em atraso engatou nova tendência de alta em Porto Alegre. Em abril, a parcela de negócios inadimplentes subiu para 15,4% na Capital.
Além do avanço ante março, essa é a quarta alta consecutiva no indicador, apurado pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA). O período com alta do dólar, o novo ciclo de aumento do juro básico e incertezas em relação ao comércio internacional ajudam a explicar esse movimento, segundo especialistas.
Os dados do levantamento apontam que a inadimplência das empresas havia engatado uma descompressão em parte do segundo semestre do ano passado, rodando na casa dos 14%. No entanto, o indicador recrudesceu no início de 2025.
No Rio Grande do Sul, a taxa de inadimplência das empresas teve leve recuo na comparação de abril com março, passando de 14,7% para 14,2%. No entanto, o indicador segue em patamar alto e acima de percentuais observados no meio do ano passado.
Em números absolutos, Porto Alegre tem 37.217 de suas 241.984 empresas em inadimplência. Já no Estado, são 213.608 inadimplentes em um universo de 1,5 milhão de CNPJs.
O indicador de inadimplência leva em conta pendências das empresas com crédito, cheque, protesto ou ação judicial.
"Combo" de fatores
O economista-chefe da CDL POA, Oscar Frank, atribui esse cenário a uma série de fatores. Entram nesse rol a aceleração do ciclo de alta no juro, a insatisfação com o pacote de corte de gastos do governo e a taxa de câmbio alta, marcada pelo dólar atingindo recordes no fim do ano. Além disso, a incerteza gerada a partir dos alinhamentos da nova política externa dos Estados Unidos também teve peso nesse processo, segundo o economista.
— Muito difícil de separar qual é o peso de cada um desses vetores, mas é o combo. Isso está dentro de um grande caldeirão em que a gente coloca todos esses vetores em conjunto e que desembocam nesses resultados.
Gustavo Frio, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS, destaca a escalada da Selic e a pressão que esse indicador causa sobre o endividamento dos negócios, principalmente os de menor porte.
— O juro fica alto e o custo das dívidas aumenta. Com a elevação do custo das dívidas, a chance de as empresas ficarem inadimplentes naturalmente aumenta.
O docente destaca que a enchente também pode ter peso em parte dos casos. Frio explica que alguns negócios podem ter utilizado auxílio logo após a tragédia climática, mas voltaram a sofrer com dívidas antigas, majoradas em um cenário com juro mais alto, que dificulta o pagamento das pendências.
Setores mais inadimplentes
Os ramos de comércio e serviços dominam o ranking dos setores com maior número de empresas inadimplentes, levando em conta apenas números absolutos. Ramos como os de vestuário, condomínios prediais, restaurantes, lanchonetes e de cabeleireiros, manicure e pedicure estão no topo da lista.
— Muitos dos setores ainda carregam cicatrizes dos impactos provocados pela pandemia e pelas enchentes. Temos muitos casos de pequenos estabelecimentos, caracterizados por baixa produtividade e com restrições severas de caixa, principalmente para enfrentar cenários de maior dificuldade — afirma Frank.
O professor Gustavo Frio afirma que a deterioração dos salários pela inflação também diminui o volume de consumo das famílias em ramos como comércio e serviços.
Impacto na economia
O economista-chefe da CDL POA afirma que essa aceleração na inadimplência das empresas abre caminho para outros efeitos negativos na economia. Esse movimento dá sinais de que a atividade deverá passar por um processo de moderação.
— Isso acaba, de alguma forma, sinalizando para uma moderação, para uma contenção da atividade empreendedora do futuro. Sinaliza que o número crescente de CNPJs está passando por um período de dificuldade, por gargalos financeiros. Isso possivelmente vai afetar negativamente contratações de trabalhadores, compras de insumos e expansões de lojas, de parques produtivos — observa Frank.
O professor Gustavo Frio afirma que o alto percentual de pessoas físicas com dívidas em atraso também afeta a situação financeira das empresas, que acabam entrando em inadimplência. Além de não receber alguns pagamentos, os negócios enfrentam um cenário com menos demanda.
— A inadimplência dessas pessoas também está correlacionada a não poder gastar mais. Além de não conseguir pagar as dívidas contraídas, a pessoa não consegue contrair novas. Então, daqui a pouco, tenho um comércio, e o cliente vai deixar de comprar alguns produtos que ele comprava antes, vai começar a comprar menos.
Os dois economistas entendem que a inadimplência das empresas deve seguir alta nos próximos meses, em um contexto no qual a atividade econômica tende a seguir em desaceleração.
Alternativas para tentar sair da inadimplência:
- Priorize a geração de caixa, incluindo estratégias para a cobrança de devedores, possíveis antecipações de recebíveis e uma gestão de estoques de acordo com a realidade da empresa;
- Realize renegociações com bancos, fornecedores e prestadores de serviços. Isso pode resultar em taxas menores e de acordo com a realidade financeira da empresa;
- Busque boas ferramentas para análise e concessão de crédito, procurando reduzir os custos da inadimplência dos clientes para o negócio;
- Procure informações sobre programas do governo para tentar refinanciar dívidas. Além disso, alguns bancos privados também têm produtos para reduzir o custo da dívida.
Fontes: economista-chefe da CDL POA, Oscar Frank, e Gustavo Frio, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS