Na semana em que se despede de Porto Alegre a exposição de Sergio Camargo, que explorou tão bem o potente diálogo entre suas esculturas e o prédio da Fundação Iberê Camargo, outro importante espaço expositivo do Estado, o Santander Cultural, inaugurou uma grande mostra do escultor Francisco Brennand.
Até o final do ano, o público terá visto na Capital dois grandes artistas representantes de diferentes vertentes da escultura moderna brasileira do século 20. E mais: em exposições a serem apreciadas não só pelas obras em si, mas levando em conta os jogos visuais que se estabelecem entre elas e as imponentes arquiteturas dos ambientes que as acolhem.
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Tanto em Camargo (1930 – 1990) quanto em Brennand, 89 anos, o assunto é escultura, esse tipo de arte que afirma sua presença como materialidade física. Daí o observador ter sua fruição frente a essas peças condicionada pela configuração delas no espaço.
Dedicada a Brennand, a mostra Senhor da várzea, da argila e do fogo, que ocupa o térreo do Santander Cultural, oferece uma experiência com particularidades. As esculturas do artista parecem fazer sentido apenas se vistas no lugar onde são criadas e instaladas – a Oficina Cerâmica e o Parque das Esculturas Francisco Brennand, em Pernambuco. Nesse universo atemporal e apartado do mundo externo, suas obras enigmáticas parecem brotar dos jardins e dos muros. São figuras antropofágicas e zoomórficas, um sincretismo peculiar que sintetiza mitologia, misticismo, personagens históricos, divindades, seres animais e formas vegetais.
No caso de Brennand, essa íntima relação entre obra e lugar cria desafios para exposições. Afinal, como apresentar suas esculturas sem desvinculá-las do significado do espaço onde se instauram? E de que modo é possível remeter a esse contexto sem cair na encenação e reprodução fetichistas?
O curador da mostra, o artista e museólogo Emanoel Araujo, enfrentou essas questões ao tentar transpor para o ambiente do Santander um pouco do lugar onde Brennand cria e apresenta suas obras. Para tal, instalou enormes painéis com fotografias que retratam o museu a céu aberto que o artista pernambucano vem erguendo desde 1971 nas redondezas de Recife. Usadas como recurso cenográfico, essas imagens criam uma ambientação suntuosa junto às mais de 80 peças que foram transportadas do antigo engenho e fábrica de cerâmica onde Brennand se mantém em confinamento artístico e do mundo há 45 anos.
Há também na mostra pinturas e murais em cerâmica, mas que acabam por mostrar que as esculturas são a parte mais consistente de sua produção, e também a mais original. A ausência na exposição são as conhecidas obras de caráter mais erótico. Para o público interessado em conhecer melhor a vida e a obra do artista a partir da voz do próprio, dois espaços ao fundo da galeria cumprem essa função exibindo audiovisuais, entre eles o documentário Francisco Brennand (2012).
Senhor da várzea, da argila e do fogo enche os olhos pela exuberante monumentalidade gerada pela conjugação entre as esculturas, algumas de grande porte, e o espaço de exposição. Mas pode desagradar por propor uma leitura um tanto ilustrativa e fechada sobre Brennand, dirigindo o olhar em concordância com a interpretação mítica que ele mesmo fornece a sua obra. Mas o faz propondo serem indissociáveis o impressionante conjunto de esculturas e o lugar que originalmente ocupam. Algo nada desapropriado quando se trata de transportar o público ao imaginário bastante exótico de um artista que se considera artesão de uma arte arcaica, primitiva e ancestral, pertencente ele e sua obra a outro tempo e lugar que não os nossos.
SENHOR DA VÁRZEA, DA ARGILA E DO FOGO
Visitação de terça a sábado, das 10h às 19h, e domingo, das 13h às 19h. Fechado nos feriados. Entrada gratuita. Até 4 de setembro.
Santander Cultural (Sete de Setembro, 1.028, na Praça da Alfândega), em Porto Alegre, fone (51) 3287-5500.
A exposição: apresenta uma seleção de mais de 80 obras de Francisco Brennand, com destaque para a produção de esculturas e murais em cerâmica pela qual é reconhecido internacionalmente.