Antes da tragédia que estamos vivendo por esses dias, ninguém duvidava de que o maior desastre natural de Porto Alegre havia sido a enchente de 1941, que durou 22 dias e deixou 70 mil desabrigados (um quarto da população na época).
— O que há em comum entre um evento e outro é o período do ano, entre abril e maio. As demais enchentes que atingiram a cidade, sem exceção, aconteceram de setembro em diante, as chamadas “águas de São Miguel” — afirma Rafael Guimaraens, autor do livro A Enchente de 41 (Libretos, 2013).
Na terça-feira, 22 de abril daquele ano, caiu uma chuva de 115,2 milímetros sobre a Capital, recorde desde que haviam sido iniciadas as medições diárias, em 1910.
O Arroio Dilúvio transbordou e as águas do Guaíba avançaram sobre a Praia de Belas – naquele tempo, toda a área da Avenida Edvaldo Pereira Paiva e da extensão da Borges de Medeiros não estava aterrada. A situação também era grave nos bairros Navegantes e São João, na Zona Norte, onde moradores começaram a buscar abrigo na casa de parentes. Com o passar dos dias, a chuva não arrefeceu. Em 30 de abril, foram inundadas repartições públicas nas imediações da Praça da Alfândega, como o Prédio Velho do Correio (atual Memorial do RS), a Alfândega, a Delegacia Fiscal e a Secretaria de Obras, além do Edifício Bier-Ullman. Não demorou para que o Paço Municipal fosse alagado, obrigando o intendente Loureiro da Silva a despachar no Palácio Piratini.
Em 2 de maio, a população respirou aliviada quando a chuva amainou. Pura ilusão. Um vento forte vindo de Sudoeste passou a soprar sobre a Lagoa dos Patos, represando o Guaíba, que continuava recebendo fluxo de rios alimentadores como Caí, Jacuí, Sinos e Gravataí, e não parava de subir. Na segunda-feira, 5 de maio, as águas alcançaram o Largo dos Medeiros, atingindo o Café Colombo, o Cinema Central e todo o comércio local. Na direção contrária, se alastraram rumo à Usina do Gasômetro, que parou de operar em 7 de maio, o que fez com que o centro da cidade ficasse sem luz. Conta Guimaraens em seu livro:
“Porto Alegre experimentava dias insólitos. Nas ruas centrais, canoas substituíam os automóveis, e chalanas a gasolina faziam as vezes de bondes. Barqueiros das ilhas e do Litoral se dirigiam ao coração da cidade para ganhar algum trocado, transportando passageiros. Em vários locais do Centro, instalavam-se ‘linhas’ para os mais diversos pontos da cidade. (...) Na Avenida Borges de Medeiros com a José Montaury, um pouco acima da Loja Guaspari, foi montado um grande atracadouro de lanchas que carregavam passageiros para a Zona Norte, utilizando as avenidas Júlio de Castilhos e Voluntários da Pátria como leito”.
Não há registro confiável do número de mortes, mas estima-se que tenham sido poucas, uma vez que a subida das águas se deu em ritmo lento, dando tempo para que as pessoas saíssem das áreas alagadas. Os prejuízos foram contabilizados em 60 mil contos de réis (algo como US$ 30 milhões), conforme a Comissão de Restauração Econômica criada pelo governo do Estado.
O pior foi o risco de epidemias – em 22 dias, foram aplicadas 55.235 vacinas contra o tifo e 14.340 contra a varíola e mais 600 antidiftéricas. Passada a catástrofe, foi realizado um Gre-Nal no Estádio da Baixada, em 18 de maio, para arrecadar fundos em favor dos flagelados. O jogo terminou em 2 x 2.