Primeira mulher a ocupar o cargo de promotora de Justiça no RS, a pelotense Sophia Galanternick enfrentou desafios e perseguições ao longo da carreira, como descreve esse artigo enviado para a coluna pela Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (AMP/RS):
O ano era 1938. Uma nova Constituição havia entrado em vigor há pouco mais de quatro anos, provocando fortes mudanças sociais a partir da regulamentação do trabalho feminino, da extensão do direito ao voto a todas as mulheres e do estabelecimento da igualdade salarial, entre outros avanços. Nesse cenário, em Pelotas, uma jovem advogada, Sophia Galanternick, chamava a atenção ao se tornar a primeira promotora de Justiça no Estado.
Sophia era uma das quatro mulheres de uma turma de 60 alunos da Faculdade de Direito de Pelotas em 1933. Três anos depois, antes mesmo de ela se formar, a convite do professor e juiz Solon Macedônia, passou a atuar em alguns casos no júri. A novidade repercutiu em jornais e atraiu grande público, que acompanhou, pela primeira vez, uma mulher defendendo um réu no tribunal.
A atuação destacada e destemida de Sophia fez valer sua indicação para o Ministério Público em 1938 – a instituição adotaria o ingresso via concurso apenas em 1941 –, sendo nomeada para a comarca de Carazinho. No exercício do cargo, foi constantemente desafiada a provar a sua competência. Sofreu representações em razão de sua atuação simultânea como advogada (o que não era vedado na época) e viu juízes marcarem audiências simultâneas no foro para dificultar a sua presença nos locais.
Apesar dos ataques, Sophia mantinha suas atribuições, atendendo também a comarca de Palmeira das Missões e, eventualmente, a de Passo Fundo. Em 1941, quando os promotores em atividade foram automaticamente inscritos no concurso do MP, Sophia foi aprovada na prova escrita. Ao se preparar para a prova oral, recebeu o comunicado de sua demissão, assinado pelo procurador-geral do Estado, Anor Butler Maciel, que justificava como “inconveniente aos interesses da administração o desempenho do cargo de promotor por mulher casada”.
Mesmo assim, Sophia compareceu à prova oral, alcançando o 8º lugar. Ela precisou interceder junto ao interventor federal, Osvaldo Cordeiro de Farias, para garantir seu cargo de promotora pública de 1ª entrância em Carazinho. Na cidade, atuou apenas mais três meses, antes de ser removida para Jaguari. Recusando-se a ficar longe do marido e chateada com a perseguição, optou pelo afastamento por avulsão (espécie de licença não remunerada) com direito de volta.
Ela ainda tentou retornar ao MP em 1957, quando pleiteou, junto à Procuradoria-Geral do Estado, a reversão ao cargo de promotora. O Conselho Superior do Ministério Público negou o pleito “tendo em vista o largo tempo que está afastada das funções, não muito apropriadas, aliás, por sua índole, a pessoas do sexo feminino”. Assim, as mulheres retornariam ao MPRS apenas em 1976 – até então, as inscrições femininas para o concurso eram indeferidas sem justificativa.
Sophia atuou ainda como advogada até 1998. Faleceu em Porto Alegre, em 12 de novembro de 2003, aos 89 anos. Em 2024, data que completa 110 anos do seu nascimento, a Associação do Ministério Público (AMP/RS) irá entregar, pela segunda vez, a Medalha Sophia Galanternick, distinção que homenageia mulheres com destacada atuação pública. Desta vez, serão agraciadas a senadora Ana Amélia Lemos, a delegada Nadine Anflor, a procuradora Jacqueline Fagundes Rosenfeld e as promotoras Martha Beltrame e Alessandra Moura Bastian da Cunha.