A história da cidade de Porto Alegre é repleta de contos populares que compõem o imaginário dos habitantes. Através desses contos – muitos deles lendas – é possível perceber costumes de diferentes épocas, tradições familiares e hábitos de uma Porto Alegre que, hoje em dia, vive apenas nas memórias dos mais antigos, nas páginas dos livros e nas peças de museus.
Existem narrativas que são velhas conhecidas dos gaúchos, como a de Maria Francelina Trenes – a Maria Degolada –, assassinada pelo namorado em 12 de novembro de 1899, e a dos crimes da Rua do Arvoredo. Mas elas realmente são tão conhecidas assim por todos nós? No caso da lenda da linguiça de carne humana, o que sabemos sobre a mulher que ficou conhecida por ser cúmplice de José Ramos, o homem acusado de matar três pessoas entre os anos de 1863 e 1864?
Catharina Palse declarou-se solteira, natural da Hungria e não alfabetizada. Dizia ainda, em sua defesa, que ignorava a presença dos cadáveres em sua casa. Ela foi descrita como uma mulher alta, com cabelos negros e de feições vulgares que não correspondiam aos 28 anos que afirmava ter. Após a condenação, Catharina recebeu uma sentença menor do que a do companheiro: 13 anos de prisão. Ela provavelmente foi posta em liberdade em 1877. Conforme informações dos jornais desse período, junto ao seu novo companheiro, passou a dedicar-se à fabricação e ao comércio de chapéus e vassouras de palha. O seu último registro data de 1900, quando deu entrada na Santa Casa para tratar de uma gripe, com aproximadamente 74 anos.
Outra mulher que estampou as páginas dos jornais foi Joanna Eiras. Seu nome aparece envolvido em dezenas de processos movidos por seus desafetos, incluindo ações por injúria, difamação, agressão, roubo, espancamento, assassinato e aliciamento de capangas. Joanna teria sido proprietária de diversos imóveis na Capital. Mantinha relações com a alta sociedade e, de maneiras distintas, escapava da Justiça, tendo cumprido pena uma única vez. Uma das acusações era a de chefiar um bando no final do século 19, quando aliciava escravizados fugidos ou recém-libertos, formando uma quadrilha que praticava crimes pela capital gaúcha.
Essas e outras histórias são apresentadas na obra Os Sete Pecados da Capital (2008), da historiadora Sandra Jatahy Pesavento (1945-2009), que mistura história e literatura. Todas ocorreram na virada do século 19 para o 20 e foram construídas a partir de jornais, processos criminais, arquivos policiais, crônicas e romances da cidade.
– As histórias são incríveis e (tratam) de mulheres que, de alguma forma, romperam com aquilo que se esperava delas – detalha Gabriela Moreira, historiadora e uma das organizadoras da exposição Mulheres do Avesso, que estará aberta para visitação de 5 a 18 de março, no Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Avenida Independência, 75 – Independência, Porto Alegre). A mostra contém textos feitos a partir das histórias retratadas no livro de Sandra Pesavento.
– Pode ser que as pessoas, quando visitarem a exposição, identifiquem que conhecem alguma das histórias de outra maneira, talvez com um detalhe diferente. É importante destacar que todas as histórias estão sendo narradas a partir da perspectiva da Sandra – conclui Gabriela.
Também no dia 5 de março, mesmo dia de abertura da mostra, às 17h, será promovido um bate-papo sobre a história e os direitos das mulheres a partir das personagens da obra, destacando os avanços e as permanências dos padrões de comportamento destinados às mulheres. Entre as convidadas estão a médica e historiadora Nádia Maria Weber Santos (curadora do acervo pessoal de Sandra Pesavento); a historiadora do Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul, Carine Medeiros Trindade; e a juíza de direito Madgéli Frantz Machado (titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Porto Alegre). O encontro é gratuito e aberto ao público, sem necessidade de inscrição prévia.