Certamente, vocês conhecem Nervos de Aço, um verdadeiro hino da dor de cotovelo, que Lupicínio Rodrigues compôs e Francisco Alves gravou em 1947: Você sabe o que é ter um amor, meu senhor/Ter loucura por uma mulher/E depois encontrar esse amor, meu senhor/Nos braços de um outro qualquer. Pois o Paulinho da Viola também gravou essa canção, no início dos anos 1970, com a delicadeza e a sofisticação próprias de quem é um dos expoentes da nobreza do samba. A versão fez bastante sucesso e, inclusive, deu título ao sexto álbum de estúdio do sambista carioca, de 1973.
Passados alguns anos, Paulinho incluiu Nervos de Aço no repertório de um espetáculo que percorreu o Brasil de Norte a Sul. Em Porto Alegre, aconteceu um fato inusitado. Após o show, ele recebeu a visita no camarim de um senhor que – muito educadamente, mas um tanto constrangido – puxou uma conversa:
– Olha, eu sou parceiro do Lupicínio, fui muito amigo dele. Na noite de Porto Alegre, andávamos sempre juntos. Não me leve a mal, mas eu preciso lhe dizer uma coisa. Essa música não é assim, ela é um pouquinho diferente do jeito como você está tocando. Aliás, o Lupicínio reclamava bastante disso. Ele fazia as músicas, depois cada cantor gravava do jeito que bem entendia.
Em seguida, o visitante pediu licença para tomar em seus braços o violão e, em um gesto de ousadia, anunciou:
– Eu vou lhe mostrar o modo certo de tocar essa música.
Aquele senhor era Darcy Alves, o professor Darcy, como todos o conheciam na noite da Capital. Cantor e violonista que, nos anos 1960 e 1970, acompanhou grandes nomes da música brasileira que vinham se apresentar em Porto Alegre, como Jamelão, Nelson Gonçalves, Sílvio Caldas, Ângela Maria, Altemar Dutra e Clara Nunes. Em 2010, tive a oportunidade de lhe prestar uma homenagem ao escrever a biografia Darcy Alves – Vida nas Cordas do Violão, lançada pela Libretos, quando ele estava lúcido e ativo (disso me orgulharei para o resto da vida).
Dito isso, confesso que não saberia explicar o que havia de errado na versão de Nervos de Aço feita por Paulinho da Viola. Posso afiançar a vocês que era algo na melodia – um tom acima ou abaixo da concepção original ou uma harmonia malposta, quem há de saber? Provavelmente, algo imperceptível para leigos como eu, mas que soava como um trovão aos ouvidos de músicos de primeiríssima linha, como era o caso de Darcy (que morreu em 2015).
Como lembrou outro dia meu amigo Maurício Quadros, o professor Darcy havia contado esse causo, certa noite, fumando seu cigarrinho na calçada em frente ao bar Parangolé, na Cidade Baixa, onde se apresentava uma vez por semana nos anos 2000. Para não deixar dúvidas, o próprio Paulinho da Viola relatou o episódio durante a gravação do MTV Acústico, em 2007, admitindo que havia aprendido a tocar o samba-canção a partir de uma versão equivocada, mas sem mencionar (certamente, por não ter guardado na memória) o nome do anjo da guarda que havia lhe corrigido:
– Quando aquele senhor me mostrou como era Nervos de Aço, levei um susto. Então, procurei decorar bem e passei a cantar como ele me ensinou – disse Paulinho da Viola.