Fico pensando em nomes de ruas e bairros de Porto Alegre. Recantos que inspiram a imaginação. Um dos que mais aprecio é Cristal – talvez por ser o bairro do hipódromo, cenário de passeios da infância nos fins de semana, levado pela mão de meu pai, jornalista Luiz Osório, o Barão, cronista e fã do turfe.
Reza a lenda que o nome do bairro é uma referência explícita à concentração de quartzos que existia lá muito antigamente. Avistados desde o Guaíba, os cristais reluziam diante dos olhos dos pescadores, o que fez com que a área fosse tratada como “zona do cristal”. Há quem diga que a origem do nome está relacionada à deflagração da Revolução Farroupilha, em 1835. É que, à sombra da frondosa figueira, assentada no local onde hoje está a esquina da Rua Curupaiti com a Avenida Campos Velho, o general Bento Gonçalves da Silva teria repousado, junto com a sua tropa, antes de invadir Porto Alegre e desencadear a Revolta dos Farrapos.
O que se sabe com certeza é que, antes da ocupação urbana, o Cristal fazia parte da sesmaria do tenente Sebastião Francisco Chaves, conhecida como Estância São José. Igualmente certo é que o processo de urbanização foi iniciado, em 1881, com a construção de uma hospedaria à beira do Guaíba. Ela teria sido aberta para acolher as levas de imigrantes que desembarcavam na Capital no final do século 19 (em 1899, o prédio foi transformado em alojamento do 3º Batalhão de Infantaria da Brigada Militar, como um prenúncio do futuro ligado a cavalos que estaria reservado àquela faixa de terra). Aliás, foram justamente as famílias de imigrantes italianos que, no final do século 19, passaram a cultivar hortas e pomares por aquelas bandas. Existem registros também da ocorrência de charqueadas por essa época na região.
Boa parte do encantamento do arrabalde ficou comprometida quando a Ponta do Melo, também conhecida como Ponta do Asseio (onde atualmente está o Pontal Shopping), começou a receber os chamados “cubos”, que nada mais eram do que dejetos humanos trazidos de trem do centro da cidade para despejo no Guaíba. Esse quadro desabonador mudou no ano de 1949, quando a Ponta do Melo foi ocupada pelo Estaleiro Só, grande empresa construtora de navios que chegou a ter mais de 3 mil trabalhadores, na década de 1970.
Mas a principal transformação da paisagem se deu mesmo com a inauguração do Hipódromo do Cristal, construído exatamente no local que, antes, tinha alojado a hospedaria. O terreno foi cedido pelo poder público em troca da área do antigo Hipódromo do Moinhos de Vento, que hoje abriga o Parcão. Foi necessário empurrar o Guaíba um pouco para trás, aterrando parte do local, antes de concluir a nova sede do Jockey Club do Rio Grande do Sul, em novembro de 1959. Obra do arquiteto uruguaio Román Fresnedo Siri, é o primeiro conjunto arquitetônico modernista da Capital, que, na época de sua abertura, conferiu um ar de requinte àquela região da cidade.
Hoje, embora ainda resista como um símbolo de modernidade na paisagem da zona sul de Porto Alegre, o hipódromo já não desfruta do glamour de outrora. Os tempos mudaram, mas o “prado” continua presente em minhas lembranças da infância. Não é raro sonhar que estou perambulando pelos salões envidraçados de seus edifícios, que, em minhas recordações, luziam tanto quanto os cristais de quartzo avistados pelos pescadores do Guaíba.
Fontes: Guia Histórico de Porto Alegre (Sérgio da Costa Franco) e Cristal (Renata Ferreira Rios).