Não faltam ideias criativas circulando no segundo andar do casarão construído em 1919 pelo comendador José Baptista Silveira e Souza — açoriano que veio da ilha de São Jorge para o sul do Brasil — na Rua da República, no bairro Cidade Baixa, na Capital. Desde 2018, a parte de cima do sobrado é ocupada pela área administrativa da Banda Municipal de Porto Alegre.
Há planos de realizar quatro grandes concertos por ano, além de espetáculos didáticos para a comunidade escolar e apresentações para idosos, "parcela da sociedade que está aumentando e conta com poucos eventos atrativos", conforme o clarinetista Eliseu Rodrigues, diretor da banda. Mas ainda há um caminho a percorrer para transformar os sonhos em realidade.
Essa história teve início em 19 de maio de 1925, quando o intendente (cargo equivalente ao de prefeito) Otávio Rocha assinou decreto para instituir a banda. Mas ela só passou a realizar concertos a partir do ano seguinte. É que faltava o principal: regente e instrumentistas. A tarefa de arregimentá-los foi delegada ao professor José Corsi, do Centro Musical Porto-Alegrense (associação cultural que promovia ações educativas junto à população). Ele viajou à Argentina para trazer o maestro e trompetista italiano José Leonardi, o qual indicou, por sua vez, instrumentistas compatriotas das comunas de Reggio da Calabria e de Messina e Catania, da Sicília.
Após estrear no Theatro São Pedro, a banda ocupou o coreto da Praça da Alfândega até se abancar na concha acústica do primeiro auditório Araújo Vianna, junto à Praça da Matriz (demolido em 1958 para a construção da Assembleia Legislativa), em 1927. Nessa época, os concertos eram assistidos por até 1,2 mil espectadores acomodados em bancos rodeados por caramanchões. Mas o público era bem maior, já que a Rádio Gaúcha transmitia os espetáculos em ondas médias e curtas.
A banda perdeu prestígio com a morte de seu idealizador, Otávio Rocha, em 1928. É verdade que os músicos foram absorvidos pelo quadro de servidores em 1949, mas, em 1953, uma lei determinou que os cargos fossem extintos, à medida que ficassem vagos. Em 1963, a banda fez sua última apresentação, no clube esportivo Primeiro de Maio, em Petrópolis, antes de entrar em um longo recesso.
Ao retornar à cena musical, nos anos 1970, ganhou uma sala para ensaios no Araújo Vianna, que havia sido reinaugurado na Redenção, em 1964. Lá, ficou até a reforma do auditório, na década de 2000, dando início a um período de peregrinação por espaços provisórios, que ainda não terminou. Hoje, divide o Teatro Renascença com outros grupos de música e artes cênicas (os ensaios serão retomados em março).
As dificuldades não se limitam à falta de local para ensaiar — o último concurso público foi em 1999. Em 2021, uma emenda do vereador Cassiá Carpes (PP) destinou R$ 100 mil para preencher as vagas de regente (com o maestro André Munnari) e cinco músicos em regime de contratação temporária, além de pessoal de apoio. Ciente das dificuldades financeiras do município, a banda pretende buscar recursos privados por meio de patrocínio e leis de incentivo. Assim, poderá viabilizar os sonhos, que incluem concertos intimistas no pátio do velho casarão da Rua da República, além de ensaios abertos para formar novos públicos e incentivar jovens a seguirem a carreira de músico.
— Alguns cidadãos não entendem a razão de existir uma banda e outros acham que ela custa muito dinheiro aos cofres públicos. Mas quem conhece a história e gosta de cultura compreende o significado dela — conclui o diretor Eliseu Rodrigues.