Uma carreira curta e brilhante. É como se define a trajetória de Fernando Ribeiro, um dos pioneiros do que se convencionou chamar de Música Popular Gaúcha, movimento iniciado nos anos 1970, que se alastrou na década seguinte com nomes como Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro e Bebeto Alves. “Era um grande intérprete e cantor, não apenas compositor”, diz Arnaldo Sisson, parceiro de mais de uma centena de canções.
Eles se conheceram crianças no curso primário do IPA. O pai de Arnaldo dava carona para o colega do filho, já que moravam perto – Arnaldo na Tobias da Silva, Fernando na Bordini. Passado o período escolar, se reencontraram adolescentes, na praia de Imbé, quando Fernando mostrou uma canção composta com a irmã, Beth Ribeiro, Beijos Noturnos, que nunca foi gravada. Arnaldo, que escrevia poemas, se entusiasmou a ponto de largar a turma da natação do Grêmio Náutico União, “pouco interessada em arte e cultura”, para andar ao lado do amigo de infância, àquela altura um tipo malandro, que vestia casaco de couro e se destacava na bolinha de gude. Para o público, a dupla apareceu, pela primeira vez, em 1971, quando venceu o Musipuc com E Viva Fernando Pessoa – naquela edição, também concorreu Vento Negro, de José Fogaça, sucesso com os Almôndegas, alguns anos depois. “Gravamos em uma fita cassete na casa de meu técnico de natação para enviar ao festival. Não tínhamos ideia que aceitariam, muito menos que ficaríamos em primeiro lugar”, conta Arnaldo.
Enquanto a carreira de músico não decolava, Fernando ganhava a vida com o Billy Joe, trailer de cachorro-quente e hambúrguer na Avenida Independência, quase esquina Barros Cassal – à época, Porto Alegre não tinha lojas do McDonald’s, apenas a lanchonete Rib’s, na Praça Júlio de Castilhos. Aberto até altas horas da madrugada, além de atender os transeuntes notívagos, o Billy Joe operava quase como uma cozinha informal da boate Whisky a Go-Go (alguns metros adiante, na esquina com a Garibaldi), que repassava os pedidos dos clientes e servia os lanches dentro da casa noturna.
A chance de viver de música surgiu em um dos concertos de Mister Lee, do radialista Júlio Fürst, que abria espaço para divulgação dos músicos locais. Na plateia, estava o produtor Mariozinho Rocha, da EMI-Odeon, garimpando novos talentos. O disco Em Mar Aberto foi lançado em 1977 com um cast luxuoso, que incluía o contrabaixista Luizão Maia e o baterista Paulinho Braga, ambos da banda de Elis Regina, além do pianista Gilson Peranzzetta, arranjador de Ivan Lins. Participaram também músicos gaúchos como o violonista Toneco da Costa e o flautista Ayres Potthoff. Apesar da qualidade musical de canções como Não Demora, Hora Imprópria e Estado de Espírito, que transitavam por bossa-nova, jazz e MPB com afiada inspiração poética, vendeu pouco. O fracasso comercial foi atribuído pela Odeon à falta de disposição do artista para divulgá-lo fora do Estado – por sua vez, Fernando reclamava da falta de apoio da gravadora.
Para Arnaldo, foi cometido um “erro de marketing” com a escolha de Ultimamente, único samba do álbum, como carro-chefe do LP. “A música fez sucesso nas rádios, mas o comprador se sentia lesado ao escutar o resto das faixas”. Desiludido, Fernando gravou Coro dos Perdidos, no estúdio da ISAEC, em Porto Alegre, em 1978 – “prefiro ser o primeiro na ISAEC do que nada na Odeon”. Era um disco politicamente engajado, com canções amarguradas. “Não concordei com aquela gritaria. Estávamos na abertura política e ninguém mais queria saber daquilo. Como resultado, o disco bateu no vazio”, diz Arnaldo, hoje radicado em Florianópolis, que trocou o ofício de compositor pelo de analista de sistemas.
Com o fim do casamento com a produtora Dedé Ribeiro (com quem teve o filho Lucas), Fernando optou por morar em São Paulo, trabalhando com jingles no estúdio Vice-Versa, ao lado de Rogério Duprat (maestro do Tropicalismo, de Gil e Caetano) e a dupla Sá e Guarabira. Só voltou aos palcos da Capital para um show nostálgico no Porto de Elis, em dezembro de 1988. Tinha só uma canção inédita, Minha Cidade (praticamente não havia composto no período). Morreu em 10 de agosto de 2006, vítima de problemas respiratórios e cardíacos decorrentes do tabagismo. Em Mar Aberto foi relançado em CD, em 2011, pelo selo carioca Discobertas.