Em 1450, o alemão Johann Gutenberg — o pai da tipografia — desenvolveu um sistema de impressão de tipos móveis de metal (chumbo e estanho) que alterou radicalmente as formas de leitura e circulação de ideias em escala global. Com isso, abriu espaço para uma evolução até então sem precedentes dos meios de difusão da cultura e do conhecimento.
Mais de meio milênio depois, o único jornal em circulação no Brasil ainda produzido de acordo com o modelo de Gutenberg — ou seja, manualmente, tipo por tipo (letra, número ou símbolo), em uma máquina tipográfica (no caso, uma impressora francesa Marinoni, adquirida em 1910) — é o semanário O Taquaryense, de Taquari, município com cerca de 27 mil habitantes, distante 96 quilômetros de Porto Alegre. Fundado em 31 de julho de 1887, é também o segundo mais longevo do Estado — o primeiro é a Gazeta do Alegrete, de 1882.
— É uma questão de tradição. O objetivo é dar continuidade a uma história da qual a família se orgulha — diz o editor Pedro Harry Dias Flores, tataraneto do fundador Albertino Saraiva e neto da atual diretora de O Taquaryense, Flávia Therezinha Saraiva Dias.
Albertino tinha 22 anos quando criou a publicação, que nasceu em um período no qual vigorava a imprensa político-partidária — não à toa, O Taquaryense foi vinculado ao Partido Republicano até 1930. No início, ele exercia todas as funções que havia para se produzir um jornal: redigia as matérias, montava as páginas e ainda entregava o produto nas residências, com ajuda da esposa, Joanna.
Quando o semanário completou cem anos, a Associação Riograndense de Imprensa quis doar uma máquina de linotipia, mas a oferta foi recusada pelo filho do fundador, Plínio Saraiva, que, àquela altura, era diretor e editor (exerceria os cargos até morrer, aos 101 anos, em 2004). O conjunto de edições do periódico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), junto aos tipos móveis e à máquina Marinoni, em 2010.
Atualmente, o responsável pela tarefa manual de compor as quatro páginas de O Taquaryense, que demora cinco dias para ser executada, é o tipógrafo João da Rosa Rodrigues, de 47 anos (ele trabalha há duas décadas na empresa). Originalmente, o jornal adotava o formato standard. Hoje, tem tamanho intermediário entre o standard e o tabloide, com 48cm de altura por 33cm de largura. O que não mudou foi a circulação aos sábados. A tiragem é de 500 exemplares (já chegou a mil nos anos 1980), dos quais 350 são reservados aos assinantes.
Pedro — que escreveu a monografia Da abolição da escravatura ao impeachment de Dilma Rousseff: uma viagem pelas páginas seculares de O Taquaryense, o último moicano da tipografia, ao concluir o curso de Jornalismo na Univates, em 2018 — admite que a reposição dos tipos que sofrem desgaste ou danos, inevitáveis com o passar do tempo, é uma “preocupação que perturba”. No Brasil, a dificuldade de se achar as peças é cada vez maior. Ele tentou importá-las de uma fábrica da Califórnia, nos Estados Unidos, mas esbarrou no alfabeto inglês, diferente do português em detalhes, como o de não utilizar letras com acento.
— Mas não vamos desistir facilmente. Algumas faculdades conservam o sistema antigo para oficinas didáticas. Além disso, sempre haverá um amante da tipografia que poderá ter peças disponíveis — acredita Pedro.