No dia 28 de abril de 1980, o estudante de Ciências Sociais Luiz Eduardo Achutti recebeu o aviso de Ondina Fachel Leal, colega da Antropologia, de que haveria uma invasão de mulheres à Casa do Estudante Universitário (CEU), na Avenida João Pessoa, na manhã seguinte.
— Tu devias ir lá para dar uma força e fotografar — disse ela.
Na época, Achutti já trabalhava com fotojornalismo, em paralelo à vida de estudante – acabaria por se formar, alguns anos depois, em Antropologia Social. A anunciada invasão feminina tinha como objetivo reivindicar moradia mista na CEU, que, naquele tempo, hospedava apenas universitários do sexo masculino. A regra era tão rígida que nem as mães dos moços que lá moravam podiam entrar no prédio para visitá-los.
Assim, em 29 de abril de 1980, o grupo de mulheres furou o bloqueio da Brigada Militar que se postava em frente ao prédio para adentrar a CEU diante do olhar de espanto do porteiro de plantão. Quando Achutti, que vinha logo atrás delas, parou em frente à porta de entrada, caiu uma chuva de papel picado dos andares mais altos do edifício de 11 andares. Eram os rapazes manifestando solidariedade às moças.
— Eu só tinha a lente normal, de 50mm, então, o que fazer? Resolvi fotografar de baixo para cima. Foram dois cliques. Lindo de se ver — relembra o fotógrafo.
Na hora, Achutti não se deu conta, mas havia acabado de registrar um ponto de ruptura de costumes e padrões de mobilização política na Capital. A moradia mista da CEU ainda demoraria dois anos para ser aprovada, mas o ato — que ficou conhecido como a Invasão Feminina do CEU — entrou para a história como uma das manifestações pioneiras do feminismo no Brasil.
Intitulada Democracia, a imagem capturada há mais de quatro décadas faz parte de Fotos que Vivi: Achutti 45 Anos, livro digital que reconstitui a trajetória profissional de Achutti, porto-alegrense que está hoje com 62 anos. As fotografias exibidas na obra, que está à venda no site da Ponto UFRGS (loja de produtos institucionais da Universidade), estão acompanhadas de textos explicativos.
— Sou fotógrafo, mas prezo muito o texto. Gosto de escrever — explica o autor.
Como repórter-fotográfico, Achutti publicou em veículos como Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Coojornal e IstoÉ, nos anos 1970 e 1980. A partir da década de 1990, ele passou a dar prioridade a exposições e livros, além de se dedicar à carreira acadêmica como antropólogo e professor da UFRGS.
Além da invasão da CEU, o livro mostra outros momentos históricos eternizados pela lente de Achutti, como o comício pelas Diretas Já, que reuniu 200 mil porto-alegrenses no Paço Municipal, em 13 de abril de 1984. Mais um registro é o da noite de reunificação da Alemanha, quando meio milhão de alemães cruzaram o Portão de Brandemburgo, em Berlim, na madrugada de 3 de outubro de 1990. Ele documentou ainda o derradeiro show de Elis Regina (Trem Azul) em Porto Alegre, no Gigantinho, em 1981.
Fotos que Vivi: Achutti 45 Anos é o 20º livro de Achutti, cuja obra inclui ensaios dos artistas plásticos Iberê Camargo e Xico Stockinger, além de trabalhos sobre o Guaíba e prédios históricos como o Palácio Piratini e o Solar dos Câmara. Conforme a filósofa Márcia Tiburi, que foi aluna de Achutti no Instituto de Artes da UFRGS, na década de 1990, as imagens do fotógrafo revelam o olhar das ruas.
— As aulas do Achutti eram uma ponte para a realidade, entendida como a história que podemos viver, como também são as fotos que ele fez ao longo da vida — conclui a filósofa.