O texto a seguir é uma colaboração da geóloga Zara de Araújo Gerhardt. Na década de 1950, ela foi aluna do Grupo Escolar Voluntários da Pátria. Além disso, é filha de uma professora que lecionou nessa antiga escola do Bairro Floresta, na Capital.
Durante a Primeira Guerra Mundial, foi fundado um colégio na Rua Voluntários da Pátria, em Porto Alegre. Naquele tempo, a rua margeava o Guaíba. A escola foi criada pelo Estado para atender os filhos dos imigrantes poloneses, italianos e portugueses, os dos trabalhadores do novo cais e as crianças da Ilha da Pintada e do terceiro e quarto distritos da Capital.
O Colégio Elementar Voluntários da Pátria — mais tarde chamado de Grupo Escolar — ocupava um prédio imponente, na esquina com a Rua Almirante Barroso. O prédio amarelo havia sido uma casa de recepção de imigrantes, posteriormente adaptada para o colégio. De arquitetura eclética, com inspiração positivista, o casarão apresentava duas colunas dóricas encimadas por um frontão. Uma escadaria de cimento levava para um alpendre com balaustradas de ferro fundido – em estilo art nouveau. A porta, de madeira lavrada, era guarnecida por dois majestosos leões.
O solar ficava no meio de dois pátios. O da frente tinha um portão decorado, abrindo para a Voluntários da Pátria; era circundado por uma bela grade de ferro, parcialmente escondida por uma cerca viva de brincos de princesa. O pátio dos fundos era menor, ladeado por dois pavilhões com salas de aula, e seu portão de madeira dava para a Almirante Barroso. Ambos tinham um piso de areião, responsável por meus joelhos esfolados nos muitos tombos que levei durante os seis anos em que lá estudei – do jardim de infância até o quinto ano primário.
O Voluntários foi o segundo Grupo Escolar mais antigo de Porto Alegre. Tinha recursos de constranger os oferecidos pelas escolas públicas atuais: 16 amplas salas de aula, sala de música com piano – reino de duas professoras de música, uma delas minha mãe, Alba de Araújo Vianna Gerhardt –, gabinete médico e dentário, museu de história natural, biblioteca e jardim de infância. Em seu auge, a escola chegou a reunir 1,5 mil alunos e 53 professoras, dentre elas, havia as então denominadas de “especializadas”, que possuíam diplomas universitários nas suas respectivas áreas: música, desenho, Educação Física. Do hino do colégio, cuja música foi composta por dona Alzirinda Lobo de Mello, a professora de música sênior, só me lembro do estribilho.
“O Voluntários audaz avança,
Pois em seus filhos, tem confiança,
Audaz à frente, sempre contentes,
Que a vitória é dos valentes!”
Uma escada com degraus de arenito (pedra grés), situada no centro do prédio, levava ao andar inferior, o antigo porão adaptado. Lá, além de mais salas de aula, ficava o museu de história natural.
O esqueleto, apelidado de dona Chiquinha, dentro do seu armário de vidro, assustava muita gente, principalmente nos dias de tempestade, quando os maiores tentavam trancar os pequeninos lá dentro. Havia, ainda, um torso aberto, de louça, com os órgãos do corpo humano à vista e removíveis, além de aves, répteis e mamíferos empalhados, cobras em vidros com álcool, rochas e minerais. Era lá que tínhamos as aulas de ciência.
O belo prédio teve um final melancólico: no fim dos anos 1950, rachaduras em uma das paredes fizeram com que ele fosse interditado pela prefeitura, passando a escola a funcionar em três turnos, nos pavilhões dos fundos. Por quase 10 anos, a comunidade lutou pela restauração do casarão, por meio de abaixo-assinados e campanhas pelos jornais. De nada adiantou, o colégio foi demolido. Uma brizoleta, depois alvo de incêndio criminoso, foi erguida em seu lugar. Hoje, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Camila Furtado Alves ocupa aquele espaço.
Fontes: A escola primária no RS através de fotografias: espaços, sujeitos e cultura material (1924), artigo de Tatiane de Freitas Ermel, Revista Linhas, 2018; Jornal A Hora de 15/7/1956; O Colégio Voluntários da Pátria, post do blog pufal.blogspot.com/