Onde a imprensa é livre e todo homem é capaz de ler, tudo está a salvo. — Thomas Jefferson (1743-1826)
O texto a seguir é uma colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e responsável pelo núcleo de pesquisa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom).
Neste ano de 2020, a imprensa gaúcha completou 193 anos de fundação. No dia 1º de junho de 1827, começou a circular o Diário de Porto Alegre (1827-1828), o primeiro jornal da então Província de São Pedro, depois de transcorridos 19 anos do lançamento, na Inglaterra, em português, do Correio Braziliense (1808-1822), de Hipólito José da Costa (1774-1823), que inaugurou a imprensa brasileira. Embora tenham sido lançados em anos distintos, ambos os jornais começaram a circular em um 1º de junho.
Criado sob a proteção do presidente da província, o brigadeiro Salvador José Maciel (1781-1853), era impresso em duas páginas e media 13 cm por 29 cm. De circulação diária, com exceção dos domingos e feriados, o título do nosso primeiro jornal foi uma homenagem à capital gaúcha. Na loja de José Justiniano de Azevedo, no nº 85 da Rua da Praia, o jornal começou a ser vendido a 40 réis.
A circulação do Diário de Porto Alegre tornou-se possível graças à participação dos franceses Dubreuil e Estivalet, respectivamente impressor e tipógrafo, que desertaram, durante a Guerra da Cisplatina (1825-1828), das tropas do general argentino Carlos Maria de Alvear. Segundo o primeiro cronista de Porto Alegre, Antônio Álvares Pereira Coruja (1806-1889), esses franceses apareceram na Província “ainda de fardeta argentina”.
O primeiro redator e administrador do jornal foi João Inácio da Cunha, seguido por Vicente Ferreira Gomes, cuja alcunha era Carona. Este – jornalista de ideias liberais – foi biografado pela jornalista Célia Ribeiro no livro O Jornalista Farroupilha: Vicente Ferreira Gomes (2012). O Diário de Porto Alegre noticiava, em suas páginas, os atos oficiais do governo da província, as notícias acerca do comércio e da navegação e anúncios variados, incluindo os de venda e aluguel de escravizados.
Na realidade, o primeiro prelo a funcionar na Província de São Pedro foi a Imperial Tipografia do Exército, trazida do Rio de Janeiro pelo Marquês de Barbacena, que acompanhava as forças sob o seu comando na Guerra da Cisplatina. Essa tipografia imprimiu apenas dois boletins de guerra e uma proclamação, pois, durante a Batalha do Passo do Rosário, em 20 de fevereiro de 1827, foi apreendida pelas forças inimigas.
A Tipografia Rio-Grandense, responsável pela impressão do Diário de Porto Alegre, localizava-se na Rua da Igreja, nº 113, atual Rua Duque de Caxias. Comprada, em 1821, por meio de subscrição pública, no Rio de Janeiro, sob o patrocínio do então presidente da província, Carlos de Saldanha de Oliveira e Daun, esta chegou, no dia 4 de agosto de 1822, a bordo do bergantim Reino Unido. Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco, transcorreram cinco anos até que, finalmente, o prelo imprimisse nosso primeiro jornal, que totalizou 292 edições.
A demora é atribuída ao fato de que não havia, aqui, ninguém capacitado para colocar em funcionamento o mecanismo tipográfico. Outra explicação quanto ao atraso justifica-se pela prisão, por motivos políticos, do presidente da província e seu envio para o Rio de Janeiro.
O surgimento da imprensa em nosso Estado esteve, por longo tempo, envolto de equívocos históricos. O trabalho do pesquisador e jornalista Nestor Ericksen, A origem da Imprensa no Rio Grande do Sul, de 1941, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RS, elucidou algumas questões. O MuseCom, instituição voltada à memória da comunicação gaúcha, tem sob a sua guarda apenas um exemplar original. Infelizmente, de acordo com a pesquisa de Ericksen, a coleção quase completa e original do Diário de Porto Alegre, doada pelo Dr. Alfredo Varela (1864-1943) para o Arquivo Histórico do Estado, está desaparecida desde os anos 1970, apesar dos procedimentos jurídicos de averiguação que foram efetivados na época.