O texto abaixo é uma colaboração do jornalista, e nosso leitor, Inácio Knapp:
“Porto Alegre, 22 julho de 1963. Sobram ruas no bairro Floresta. E não há medo. Os cartazes do Ypiranga, o cinema ao lado de minha casa, anunciam O Terror das Mulheres (1961), com Jerry Lewis. Quase nos paralelepípedos da rua, a dois ou três metros dos brilhantes trilhos de bonde, o prédio do Ypiranga, que resiste até hoje, lembra bons tempos. IAPI era uma das linhas de bonde que passavam por ali. Espaço na calçada? Nem para o pipoqueiro. Eu tinha 12 anos e dedicava boa parte do meu tempo para ir ao cinema e brincar por ali. Tenho isso com muita nitidez em minha memória. Havia terrenos baldios com goiabeiras, pereiras e até uma mangueira. Pouquíssimos carros, ruas vazias. Lugar para correr, jogar bola, taco e bolinha de gude. E muitos amigos, veja só, desses de verdade, não virtuais. Desses de andar de bicicleta por aí e comer bergamota no calor do sol.
Nessas ruas do nosso tempo, os prédios e as casas não eram como fortalezas com muros e cercas. Eram ruas amigáveis. No máximo, o dono bradava com alguma molecagem nossa, tipo roubar uma fruta ou apertar a campainha e sair correndo. Os murinhos, como o do Rib’s, que já não existem, serviam como bancos. Era tudo muito tranquilo e simples. Até as bolinhas para jogar taco eram usadas, normalmente brinde de algum tenista do clube Leopoldina Juvenil. Com 10, 12 anos, andávamos para lá e para cá, livres. Quase soberanos, sem imposições.
A televisão era novata em Porto Alegre. Imagem ruim, com dois ou três canais. Pouca gente tinha TV. Ninguém ficava em casa. O movimento de famílias passeando era sempre grande. Sorveteria depois do cinema era o programa preferido. Imagine dois cinemas a poucos passos: Ypiranga e Colombo. Naquele 22 de julho, conforme pesquisei no Museu Hipólito José da Costa – em um texto no extinto jornal Folha da Tarde –, 42 cinemas de rua da cidade espalhavam cartazes anunciando os filmes. Eram anúncios coloridos, ilustrados, feitos à mão, e ficavam protegidos em vitrines, onde também havia fotos de cenas e dos artistas do filme que estava em exibição. Lembro-me perfeitamente, também, da qualidade dessas fotografias. Não sei como nunca pedi para o dono do cinema Ypiranga, que eu conhecia bem, alguma dessas fotos. Jerry Lewis alegra minha vida até hoje e sempre fui seu fã. Quando morei nos Estados Unidos, estive no hotel Fontainebleau, onde foi filmado O Mensageiro Trapalhão (1960), para conhecer o imenso salão onde o personagem instala centenas de cadeiras em segundos. O cineasta Quentin Tarantino tem Jerry Lewis como um gênio do cinema.
Eu recordo aquele tempo com uma intensa saudade juvenil. Os filmes, os cartazes do Ypiranga e uma infância bem rueira. Hoje, Porto Alegre tem mais de 50 cinemas e, se não me engano, nenhum de rua. A rua saiu de cartaz”.