“A garôta ia passando pela rua, despreocupada e cônscia da admiração que despertava. Seus 16 anos palpitavam em cada traço, no jeito simples de brôto gaúcho. Olhos experientes e interessados a seguiram, mediram os prós e contras e decidiram a sorte da moça. Lélia Parizotto iniciou assim a carreira. Manequim e modêlo fotográfico de uma agência de propaganda, começou a ficar conhecida do público. Quando a TV Piratini estabeleceu testes para garôta-propaganda, apresentou-se sem grandes esperanças de passar. Foi, entretanto, bem sucedida. Afirma que, a princípio, considerava tudo uma brincadeira. Hoje encara a profissão com muita seriedade, apesar de não a julgar fácil. ‘É necessário simpatia e muito desembaraço, presença de espírito, boa apresentação e boa inflexão’, comenta”. É assim que a Revista do Globo, de dezembro de 1963, abre sua matéria de capa, um perfil de Lélia Parizotto, feito pela repórter Esther Guendelsmann.
Houve uma safra de mulheres talentosas e belas que floresceu no rádio e na TV de Porto Alegre no início da década de 1960. Rochelle Hudson despontava no radioteatro e nos programas da Rádio Gaúcha. Na TV, que recém engatinhava, surgiam nomes como Margarida Spessato, Lélia Parizotto, Marina Conter e Marly Chassot, que se apresentavam ao vivo, muitas vezes de improviso.
A seguir no trecho extraído de uma crônica do escritor e professor de literatura Sérgius Gonzaga no livro Os Televisionários (2010, Edições Ardotempo), temos uma boa ideia dessa época e dos primórdios da TV em nosso Estado.
“(...) apenas os muito ricos poderiam dar-se ao luxo de possuir um daqueles maravilhosos aparelhos eletrônicos. A nós – integrantes da remediada classe média de então – restaria somente a esperança de ser convidado para uma visita noturna à casa de algum dos poucos abonados da cidade, pois estes certamente, nos meses seguintes, também adquiririam um televisor. Vários de meus amigos (e eu mesmo) chegamos a sonhar, naqueles dias, que nas salas de nossas residências, pulsava uma luz branca e fria, trazendo consigo filmes e séries emocionantes... Mas, acima de tudo, 1960 foi o ano em que a televisão chegou à Taquara, com suas antenas escama de peixe, seus teleteatros improvisados, suas séries ingênuas, seus simplórios programas humorísticos, seus noticiosos sem imagens, seus equipamentos canhestros, suas falhas, sua modernidade imperfeita.
Quase meio século depois, costumo visitar minha irmã, que ainda mora na antiga casa de nossos pais em Taquara do Mundo Novo. Nessas ocasiões, faço questão de sentar numa antiga poltrona marrom e fechar os olhos e me fixar naqueles tempos há muito perdidos. Então, como um médium em transe, ouço vozes do passado, meus irmãos correndo e gritando no pátio, o rugido do leão do circo Águias Humanas, e vejo cenas fulgurantes, uma manhã de sol na Rua Grande, um peixe que salta preso ao anzol no Rio dos Sinos, e – ó velho nostálgico! – consigo ver, em meio à neblina que um dia dissolverá toda a memória, consigo ver as babosices sedutoras de Papai Sabe Tudo, o cinismo inocente de Bat Masterson, as carícias mornas entre John Herbert e Eva Wilma e vejo, acima de tudo, as inefáveis coxas bronzeadas de Lélia Parizotto, garota-propaganda de nosso delírio juvenil, infinita promessa de liberdade amorosa, tudo isso na telinha da tevê Piratini, Porto Alegre, canal cinco.”