Em tempos de atraso no pagamento do funcionalismo público estadual, os administradores atuais procuram soluções que lhes pareçam as mais adequadas para fugir da escassez de recursos nas finanças públicas. Tempos atrás, a realidade não era tão diferente assim.
Pouco depois de assumir o cargo como 23º governador do Rio Grande do Sul no período republicano, em janeiro de 1959, há 60 anos, Leonel de Moura Brizola se viu frente a um dilema. Suas promessas de campanha no ano anterior incluíam temas como a encampação (estatização) de importantes empresas estrangeiras que operavam aqui, entre elas a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), filial da American & Foreign Power Company, e a Companhia Telefônica Rio-Grandense (CRT), subsidiária da International Telephone and Telegraph (ITT); a desapropriação de terras para efeitos de reforma agrária, que veio a ser o assentamento do banhado, na região de Camaquã; e a abertura de centenas de novas escolas por todo o Rio Grande. Mas, ao assumir, logo deparou com os cofres vazios. O Tesouro do Estado oferecia parcos recursos para a implantação de seu plano de governo. E, pior, o funcionalismo estava há meses sem receber salários e vários credores batiam à porta do Palácio Piratini em busca do que o governo lhes devia.
Na largada, Brizola e sua equipe econômica buscaram saída numa estratégia financeira utilizada por países em guerra: a emissão de bônus para resgate futuro. Com aprovação da Assembleia Legislativa, foi promulgada, em julho de 1959, a Lei 3.785, que permitia a emissão de letras do Estado com resgate até 1964. As letras logo ganharam um apelido: brizoletas, que viraram peças históricas e são disputadas entre colecionadores.
Até o fim do mandato, Leonel Brizola, de fato, cumpriu várias das promessas de campanha. Encampou as duas empresas citadas, desapropriou sete fazendas para criar o assentamento e abriu 5.902 escolas primárias (também conhecidas como brizoletas), 278 escolas técnicas e 131 ginásios e escolas normais, admitindo 42.153 novos professores. Em 1961, em meio ao Movimento da Legalidade, Brizola voltou a emitir as brizoletas, desta vez com o objetivo de subsidiar os custos da mobilização que comandou em defesa da posse do então vice João Goulart como presidente da República no lugar de Jânio Quadros, que renunciara ao cargo.
A loteria de Bento
O mesmo dilema vivido por Brizola foi experimentado por outro governante gaúcho num passado mais remoto. Ao ser proclamada a República Rio-Grandense, em 1836, os farrapos precisaram “inventar” um país, criando bandeira, hino, moeda, imprensa oficial e outras instituições governamentais. E precisavam dar conta das finanças, ainda mais com os custos que acarretava o prolongamento da guerra contra o Império, desencadeada em 1835.
Os farroupilhas enfrentavam sérias dificuldades em ter uma arrecadação que lhes assegurasse condições de tocar o governo e a guerra. Uma saída encontrada pelo presidente Bento Gonçalves para abastecer os cofres republicanos foi assinar um decreto, em fevereiro de 1843, na então capital Alegrete, que instituiu “uma loteria de 20 contos de réis”, com duas extrações anuais (uma a cada seis meses), deduzindo do prêmio 20%, que deveriam ser destinados para as despesas dos hospitais do Exército.
Atualmente em inatividade, mas não extinta, a Loteria Estadual do Rio Grande do Sul (Lotergs) é a mais antiga do Brasil, perto de completar 176 anos de existência. Por estar prevista no organograma da administração pública estadual, durante a última campanha eleitoral para o governo do Estado chegou-se a debater o ressurgimento da Lotergs.