Naquela estranha noite, no hangar de São Gabriel, o Cessna (Callefi táxi-aéreo) viu-se vistoriado por inesperados estranhos: alteração dos seus modernos instrumentos de voo, como bússola, altímetro e combustível. Alçado à rota, o experimentado piloto iniciou, a olho nu, a baixar em São Leopoldo para apanhar o fiel companheiro Ivan Coelho e rumar ao destino Torres/Três Cachoeiras. Mas o instrumental guiou-o para a serraria, envolta por um tremendo temporal durante toda a manhã daquele sábado.
Os moradores testemunharam estranhar tal voo com aquela brutal intempérie: perceberam que a nave estava desorientada, procurando visualizar algum ponto de aterrissagem. Esta evidente alteração aviatória, autêntica sabotagem, já foi reiteradamente denunciada em ao menos três livros: Fernando Ferrari, Trabalhador Rural e Fernando Ferrari – Político das Mãos Limpas. (No dia 25 de maio de 1963, a aeronave em que Fernando Ferrari viajava para uma conferência em Torres caiu próximo ao Morro do Chimarrão, situado no atual distrito de Vila Fernando Ferrari, em Três Cachoeiras. N.R.) Não houve, até hoje, qualquer questionamento contrário a esta terrível denúncia.
No prefácio de Escravos da Terra, aliás, o único feito por nosso exímio escritor Erico Verissimo, consta: “Fernando Ferrari representa um dos mais belos momentos da vida política brasileira de nosso tempo. Essa figura humana vale como um símbolo... Exatamente uma semana antes do brutal (!) acidente em que perdeu a vida, tive oportunidade de manter uma longa e cordial conversação com esse incansável batalhador... Não sei por que em certo momento me ocorreu referir-me à ‘crueldade’ da aviação para com o trabalhismo brasileiro... Num país em que a corrupção campeia... Fernando Ferrari era dos poucos homens públicos que podem permitir sem medo uma devassa na sua vida privada. Viveu pobre e pobre morreu... Essa lei de amparo aos camponeses... será o melhor monumento à memória do admirável chefe do Movimento Trabalhista Renovador”.
Recentemente, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul republicou as três obras de Ferrari em coletânea, por iniciativa da deputada Liziane Bayer (PSB): “Preservar o legado, o ideário, a memória, os feitos e a obra literária de Fernando Ferrari é contribuir para um Brasil melhor, que está hoje tão necessitado de políticos com as mãos limpas”.
Ele iniciou esta nova campanha com atos concretos: ainda como funcionário do antigo Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps), denunciou o diretor deste órgão por corrupção e fez peremptória denúncia do deputado César Prieto (PTB), incorrendo por seus desmandos na diretoria do Imposto de Renda.
Finalmente, assumiu a jornada nacional da Campanha das Mãos Limpas – símbolo usado na Itália contra a máfia –, recomendada por João Paulo II em sua segunda visita ao nosso país. O povo gaúcho apoiou esta nova luta, consagrando-o com mais de 140 mil votos, a maior votação em eleição proporcional até hoje no Brasil.
Mesmo assim, foi (contrariando o que estava previsto no estatuto petebista) destituído em manobra da liderança partidária, para a qual fora votado regularmente. Seu crime foi pleitear a vaga de vice-presidente, democraticamente, na convenção nacional de seu partido.
Completam-se, agora, 55 anos da sua morte. Fernando Ferrari continua atual, não só por seus três livros, legado que poucos políticos nossos têm deixado, mas por suas dezenas de leis aprovadas, entre elas o meritíssimo Estatuto do Trabalhador Rural, a CLT dos lavradores. Como se vê, muito antes da Lava-Jato, este ímpar líder brasileiro já se preocupava com a ética na política. Como homenagem, foi atribuído seu nome ao Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul, que se chama Centro Administrativo Fernando Ferrari.
Colaboração de Emiliano Limberger, coordenador da Fundação Fernando Ferrari