As duas últimas palavras do título acima, sinônimas até e, ao mesmo tempo, com significados diferentes e fundamentais na vida de qualquer um, eram as que esse alemão sempre usava para se comunicar comigo e com tantos outros jovens de Porto Alegre nos anos 1960 e 1970.
Ele era, apenas com esse restrito vocabulário, uma espécie de conselheiro dos jovens daquela época. Para qualquer tipo de problema, angústia ou ansiedade, principalmente a provocada pelo vestibular que estava próximo – e era sempre de Medicina na Católica ou na UFRGS –, este homem, vestido de terno preto e guarda-chuva, dizia, gesticulando muito a cabeça e as mãos: ‘Calma... Paciência...’. E assim mesmo, sem conexão entre as duas palavras, com uma pequena pausa, talvez para salientar a diferença entre elas.
Mas o Stiefel – assim eu o chamava –, que tinha quase como uma doutrina essas palavras, não era um cara sereno, descansado. Parecia estar sempre atrasado para um compromisso. Suava muito e, esbaforido, chegava no balcão do bar do meu pai (Luiz Alberto) e tomava um refrigerante com muita pressa. Secava o rosto, perguntava como eu andava e lá vinham as duas palavras: calma. Paciência.
Talvez ele estivesse nessa correria eterna preocupado com o horário do concerto da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) na reitoria. Certamente, ele era o mais assíduo frequentador daquelas apresentações, talvez empatado com a dona Eva Sopher. Como ela, era um radical respeitador de horários e do adequado comportamento, além de guardião do silêncio no ambiente. Cutucava com seu guarda-chuva quem falasse durante essas exibições da Ospa. Também estava muito presente em velórios de gente conhecida e amigos.
Ele morava na Rua Pelotas, com a irmã Lotti, no Edifício Cristóvão (na foto, de 1963, estou diante do prédio, com um radinho portátil). Sua irmã foi funcionária da Auxiliadora Predial durante muitos anos e gostava de conversar. Também era cliente do Bar Luiz Alberto e grande amiga da minha mãe, Iria Knapp. Foi o Leonid Streliaev, o Uda, que morava próximo da Rua Pelotas, na Comendador Coruja, quem tirou esse retrato do Stiefel, que, segundo ele, tinha o apelido de Cachorrão. Foi em 1977, para uma exposição que organizou, junto com Sérgio Axelrud, chamada Caras & Coroas. Estive no vernissage, tomei uma caipirinha e admirei as fotos.
O Uda ajudou muito esse meu gosto por fotografia. Lembro de alguns retratados: um motorneiro da Carris, o porteiro do Butikin e o Stiefel, é claro. Descobri no livro Doktors, disponível na novíssima biblioteca do Instituto Goethe, que o Stiefel trabalhou como secretário do médico alemão Alexandre Preger, aqui na Capital, conforme prefácio de Leonor Baptista Schwartsmann:
“O secretário do médico alemão Alexandre Preger fazia as vezes de cobrador domiciliar e foi talvez uma das figuras folclóricas de Porto Alegre na segunda metade do século passado. Ele estava presente em quase todos os eventos de música clássica que aconteceram na cidade, especialmente os da reitoria. Era saudado por muitas pessoas e, quando passava, diziam que ele trabalhava com o doutor Preger e havia sobrevivido à guerra. Quando eu o avistava em meu bairro, perto da casa dos meus pais ou de familiares, sabia que alguém estivera doente”.
Stiefel, com seu linguajar carregado, de forte sotaque alemão, conseguiu muitos admiradores. Eu fui um.
Colaboração do jornalista Inácio Knapp