Um dos mais renomados intelectuais da primeira metade do século passado, o poeta e diplomata francês Paul Claudel (1868-1955) teve uma curiosa passagem pelo Rio Grande do Sul. Como representante diplomático do seu país no Rio de Janeiro, deslocou-se, em 1918, até o Sul para tentar solucionar um emaranhado de dívidas pendentes do governo do Estado por obras aqui realizadas por empresas francesas e belgas. O resultado dessa viagem, com passagens pitorescas e até caricatas, ficou registrado num diário do escritor, assunto que já foi abordado pelo historiador e cronista Sérgio da Costa Franco (ZH, 14 de janeiro de 2012).
Claudel abre seu texto dizendo ter sido encarregado de liquidar no Rio Grande do Sul um "enorme e terrível amálgama" de um grupo de empresas conhecido como Brazil Railway, "onde a poupança francesa e belga haviam aplicado alguns milhões de francos-ouro". Fala, depois, da conclusão de obras no porto principal (o de Rio Grande), sobre as quais, diz, literalmente, ter vindo "sugerir ao ditador local, Borges de Medeiros, a ideia de nos pagar o preço".
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O retrato que o escritor traça do então governante gaúcho não é nada edificante. Depois de apresentar o, na época, presidente do Estado, Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961), como "curiosa figura a daquele tirano positivista", diz que se trata de um "homenzinho cheio de fé e de energia, a quem os horizontes do pampa tinham, sem dúvida, transmitido o gosto da planura". Acrescendo: "Pela força de um coração de ferro e de uma vontade de ferro, ele implantou a doutrina (positivista) no Estado pastoril, de que se fez sultão".
A passagem burlesca da expedição registrada no diário foi a que aconteceu no refeitório de uma estação em Rio Grande, quando o poeta falava para um grupo de autoridades e trabalhadores, quando o piso da sala, corroído pelos cupins, afundou, derrubando armários e mesas por cima de toda a plateia. O susto foi grande, mas sem vítimas.
No final, Claudel classifica, ironicamente, como sucesso de sua viagem a solene recepção no palácio do governo, em Porto Alegre, com o presidente Borges de Medeiros "sentado ao canto de um sofá que dobrava ao peso do arcebispo, do general comandante e do representante do Tribunal de Justiça".