O avanço do coronavírus por diferentes regiões do Estado já chega, em algumas cidades, a locais que abrigam o grupo mais vulnerável. Levantamento de GaúchaZH identificou que cinco mortes das 50 confirmadas por covid-19 no Rio Grande do Sul são de pessoas que viviam em lares de longa permanência de idosos ou casas geriátricas.
A pesquisa foi feita pela reportagem junto às 22 prefeituras que registram óbitos por covid-19. A metodologia foi utilizada porque a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou que não faz este tipo de detalhamento e que ele deve ser buscado junto aos municípios. Os dados foram colhidos entre segunda (27) e a manhã desta quarta-feira (29), à medida que parte foi sendo atualizada.
As quatro cidades onde há óbitos nestas casas são Passo Fundo, Lajeado, Porto Alegre e Novo Hamburgo. Nas duas primeiras, porém, as prefeituras admitem surto nessas instituições - conforme nota informativa da SES, que diz que, nestes locais, o surto é caracterizado quando houver dois casos confirmados.
- Locais que aglomeram muitas pessoas são preocupantes, do ponto de vista de doenças infectocontagiosas. Nestes casos, em que há idosos, devemos ter ainda mais atenção – diz a secretária de Saúde de Passo Fundo, Carla Gonçalves.
Na cidade do norte gaúcho, que é a segunda mais afetada do Estado e registra 11 mortes, uma casa em particular tem chamado atenção: o lar Nossa Senhora da Luz. Das 25 do tipo na cidade, esta é a única onde há registro da doença. Dezoito dos 48 residentes testaram positivo para coronavírus, sendo que dois estão internados.
Um morador do local morreu no último domingo (26). A vítima é um homem de 84 anos, acamado, que havia sido internado no fim de março em processo pós-operatório de prótese de quadril. O idoso estava internado no Hospital São Vicente de Paulo desde o dia 23.
O local foi colocado em isolamento global: os idosos que estão na casa seguem em contato uns com os outros, e os funcionários mantêm cuidados para não se infectarem nem transmitirem a doença. A explicação para esse tipo de isolamento é que o contato entre os idosos já vinha ocorrendo previamente. Além disso, muitos já apresentam sinais de demência, não aceitam máscaras e não compreendem as medidas.
Conforme a prefeitura, ainda não é possível identificar o que possibilitou o contágio do primeiro idoso da casa e, consequentemente, dos demais:
- O idoso precisou de internação hospitalar em março. Esta pode ter sido uma maneira de contágio. Não sabemos se foi através de funcionário (duas pessoas que trabalham no local testaram positivo e estão afastadas). Mas o mais importante, neste momento, é pensar nas medidas de higiene. Também chegamos a discutir a transferência de idosos que não estão doentes, mas não se vislumbrou esta possibilidade neste momento, já que este é um dos locais com maior número de pessoas – diz a secretária.
A Obra Social São Vicente de Paulo, responsável pelo local, está reforçando as orientações de higiene. Os funcionários devem trocar de roupa quando chegam ao local e usar máscaras durante todo o tempo de trabalho. Além disso, visitas e serviços de terceiros estão suspensos. A prefeitura também fornece orientação desde março e pede que os funcionários tenham a temperatura medida duas vezes ao dia, além de notificação imediata dos suspeitos. O Executivo tenta comprar testes rápidos para avaliar os idosos com mais frequência, observando o avanço da covid-19 no local.
Início do surto em Lajeado
Em Lajeado, no Vale do Taquari, a prefeitura identifica que este é o início de um surto. Das quatro mortes por coronavírus ocorridas na cidade, duas foram de pessoas que viviam em casas de idosos – os dois locais, privados, não tiveram os nomes divulgados.
Uma das vítimas é uma mulher de 86 anos que sofria de doença respiratória crônica e já tinha tido três AVCs. Ela estava internada desde 17 de abril e morreu no dia 23.
Deste local, há ainda um outro caso confirmado e um suspeito, ambos internados. O fato de haver dois casos confirmados na instituição (uma morte e uma pessoa internada) é suficiente para que a situação seja definida como surto, segundo orientação que consta em nota informativa da SES.
- Nesta casa, um funcionário também deu positivo para a doença e está afastado. Acreditamos que esta pode ter sido a fonte do contágio, de acordo com as datas de início dos sintomas – esclarece o secretário de Saúde da cidade, Cláudio Klein.
Em outro lar, a segunda morte da cidade foi confirmada pela SES na manhã desta quarta-feira (29). A mulher de 89 anos sofria de hipertensão e morreu em 26 de abril após um dia internada. No dia seguinte à morte, foi identificado um outro caso suspeito, ainda sem resultado do exame. A situação do local ainda não é caracterizada como surto.
A prefeitura preocupa-se com o aumento de casos em casas de idosos devido à vulnerabilidade dos residentes. Nesta quinta-feira (30), equipes devem testar todos os sintomáticos que moram nos locais onde há contágio confirmado:
- Os testes precisam de algum tempo para serem feitos, então amanhã vamos submeter a exames aqueles que estão sintomáticos. Quem sabe assim poderemos identificar algo sobre o modo de transmissão. Quando tivermos mais testes, poderemos testar o restante dos idosos – diz o secretário.
O Executivo esclarece que todas as 12 instituições de longa permanência de idosos receberam orientação da Vigilância em Saúde para que adotassem medidas de higiene e mantivessem ambientes ventilados, entre outras. Inicialmente, eram permitidas visitas de uma única pessoa da família, mas elas foram totalmente suspensas nesta semana.
A disseminação da doença pela cidade se deu principalmente através de dois frigoríficos, que empregam 4,2 mil pessoas. A prefeitura também se preocupa com a capacidade do sistema de saúde: nesta terça-feira, 12 dos 13 leitos para covid-19 estão ocupados.
Confirmações sem aumento de casos
Em Porto Alegre e em Novo Hamburgo, também houve confirmações de mortes de idosos abrigados em lares. Após os óbitos, no entanto, foi possível conter o avanço da doença. Conforme as prefeituras, não houve novos casos confirmados – assim, não há surto em nenhuma das instituições das duas cidades.
Na Capital, a quarta morte por coronavírus das 14 registradas até agora foi de uma idosa de 92 anos que vivia em uma casa privada. Ela estava internada na UTI do Hospital de Clínicas e morreu no dia 2 de abril. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, não foi possível identificar a origem do contágio. No entanto, devido a “vasta investigação e acompanhamento de pacientes”, não houve registro de outros doentes no local.
Em Novo Hamburgo, o último dos dois óbitos da cidade também foi de uma idosa em situação semelhante. A mulher de 73 anos foi internada no Hospital Municipal com febre e falta de ar. Ela morreu no dia 4 de abril.
No lar de idosos privado onde ela vivia, todos os pacientes foram testados e tiveram resultado negativo para covid-19. O local é monitorado pela Vigilância em Saúde, mas, até agora, não houve nenhuma outra confirmação.
Reforço de medidas
As duas prefeituras recomendaram restrição de visitas e reforço de medidas de higienização, além de monitoramento de pacientes e, se possível, isolamento de idosos com sintomas. Nesta terça-feira (28), também foi anunciado nos dois municípios que idosos que residem em casas de geriatria ou instituições de longa permanência poderão ser testados para coronavírus. Na Capital, a condição é que o paciente tenha sintomas gripais – na cidade do Vale do Sinos, ele deve estar sintomático há 14 dias. Em Porto Alegre, a prefeitura informou que vai transferir R$ 1,2 milhão para estas instituições.
Os municípios de Cidreira, São Leopoldo, Gravataí, Canoas, Ivoti, Garibaldi, Alvorada, Venâncio Aires, Encruzilhada do Sul, Marau, Vacaria, Tramandaí, Dom Pedrito e Bento Gonçalves, onde há mortes confirmadas por coronavírus, informaram não haver óbitos de residentes em lares de idosos, nem casos confirmados (com exceção de Bento Gonçalves, onde um paciente que vive em uma destas instituições está internado). O mesmo ocorre nas cidades de Tio Hugo, Serafina Corrêa, Tunas e Arroio do Sal, onde as prefeituras também comunicaram não haver lares deste tipo.
Preocupação
Os casos em lares causam preocupação por conta da condição dos residentes: além de serem maiores de 60 anos, muitos possuem doenças crônicas, o que os coloca em maior risco para a covid-19. Na Itália, mais de 7 mil idosos morreram em asilos. O problema também atinge países como os Estados Unidos, Canadá, França e Irlanda, entre outros.
- É preocupante porque os dados mostram que a população que mais morre é idosa e com comorbidades. Esse é um elemento que faz com que as geriatrias mudem sua postura. Muito provavelmente, os casos estão vindo da rua. Medidas precisam ser tomadas nos locais que ainda não o fizeram – alerta o infectologista André Luiz Machado da Silva, do Hospital Nossa Senhora da Conceição.
Além das recomendações de autoridades de saúde, o especialista orienta que os trabalhadores de casas de longa permanência usem máscaras cirúrgicas descartáveis, que têm maior poder de contenção da saliva. Neste momento, no entanto, ele não orienta uma testagem em massa.
- A testagem rápida ou com exame de sangue deve ser avaliada com cautela. Um resultado negativo não necessariamente afasta a possibilidade de infecção. A estratégia pode ser uma varredura inicial dos profissionais e testagem dos sintomáticos. Quando houver dois ou mais casos em uma clínica, aí sim todos devem ser testados.
A reportagem de GaúchaZH não encontrou nenhuma federação ou sindicato que representasse estas instituições.
Contatada, a Secretaria Estadual de Saúde informou que está “preocupada e atenta a essa situação”. Ainda conforme a pasta, o assunto está sendo tratado no Centro de Operações de Emergências (COE).
O site da SES traz orientações para instituições de longa permanência de idosos. A última nota informativa foi publicada em 27 de abril. Confira algumas das orientações:
- Funcionários devem usar máscaras e equipamentos de proteção individual. Também devem se ausentar do trabalho em caso de febre e sintomas respiratórios, ou contato com pessoas doentes;
- Visitas devem ser reduzidas ao máximo na instituição, com o estabelecimento de um cronograma para evitar aglomerações;
- No caso de pacientes com sintomas respiratórios, a orientações é de que sejam encaminhados para serviço médico e, quando nos lares, mantidos em quarto privativo, com uso de banheiro exclusivo. Se não for possível, os residentes com quadro semelhante devem ser acomodados no mesmo quadro, com distância de um metro entre as camas;
- Roupas de cama de idosos doentes devem ser colocadas em sacos plásticos e lavadas separadamente;
- Resíduos dos quartos de idosos doentes devem ser colocados em lixeiras exclusivas.