Lançado há menos de um ano, o superiate Solaris, com 140 metros de comprimento e oito deques, é um dos mais novos palacetes flutuantes no mar. Tem heliponto, é claro, piscina e todas as outras mordomias de alta tecnologia exigidas pelo dono, o bilionário russo Roman Abramovich.
Mas, não faz muito tempo, a embarcação de US$ 600 milhões se encontrava fora d’água, em Barcelona, acomodada em uma doca seca enquanto os técnicos trabalhavam sob o casco cinza. Estavam consertando as aletas que ajudam na estabilização em meio às ondas bravias, mas que se retraem quando há calmaria. No lado oposto do estaleiro, outro gigante, o Sea Rhapsody, com 66 metros, pertencente a Andrey Kostin (presidente da Federação Russa de Ginástica), estava em fase de inspeção final antes de voltar para o mar.
Os ricos ficaram mais ricos durante a pandemia, e com isso seus barcos ficaram maiores e mais caros. Quando esses superiates não estão levando os donos para destinos de férias no Caribe e no Mediterrâneo, precisam de um lugar onde ancorar e receber os reparos necessários. E é aí que a cidade espanhola, que já deixou de ser um ancoradouro comercial há anos, vê uma oportunidade econômica.
Barcelona se transformou em um centro de referência para esses barcos de luxo, combinando uma marina particular que vai investir 20 milhões de euros (US$ 22,7 milhões) este ano para se transformar no maior porto reservado do Mediterrâneo, com instalações para manutenção em condições de tirar os gigantes da água e, graças a um pequeno exército, fazer os reparos necessários. Para completar, oferece aos tripulantes uma oportunidade de passar a folga em um dos maiores destinos turísticos da região.
— Atrair os donos de barco bilionários é só uma pequena parte do projeto que quer tirar proveito da economia azul do mar — explica o vice-prefeito, Jaume Collboni.
Recentemente a autoridade portuária local aprovou a construção de um novo terminal para cruzeiros, que deve ser inaugurado em 2024, e a Prefeitura está revitalizando as obras da orla, criadas para os Jogos Olímpicos de 1992.
A pandemia foi um desastre para a cidade, que normalmente recebe milhões de visitantes.
— Serviu para mostrar que a diversificação é muito importante. Quando o turismo caiu praticamente a zero, algumas áreas foram especialmente afetadas e tivemos de criar novos empregos, inclusive para uma mão de obra menos qualificada — continua Collboni.
Ao mesmo tempo, a disseminação do vírus deu aos bilionários uma nova desculpa para manter maior distância dos meros mortais, papel que o superiate desempenha com perfeição.
Expansão
No mundo, há cerca de 5,7 mil iates com mais de 30 metros de comprimento (pouco menos de cem pés), mas, segundo projeções do setor, esse número pode crescer 15% até 2025. No topo da pirâmide desse mercado, estão 370 megaiates com mais de 60 metros, cujo número aumentou 70% na última década, com previsão de chegar a 500 em sete anos. De fato, os estaleiros estão tendo problemas para manter os prazos, e a lista de espera já está lotada até 2025.
A MB92, empresa que opera o espaço para manutenção dos superiates, mais conhecido como estaleiro de reparo, tem 180 funcionários, mas grande parte do trabalho é feito pelos mil terceirizados, cujas funções abrangem várias especialidades, incluindo pintura, carpintaria e isolamento. Nas instalações há cerca de 40 oficinas, que durante a alta temporada — primavera e outono setentrionais — chegam a receber 25 barcos de uma só vez.
O setor já deu um salto: a MB92, também proprietária de um estaleiro menor em La Ciotat, na França, anunciou um lucro de 191 milhões de euros (cerca de US$ 215 milhões) em 2021. Em 2019, esse valor foi de 150 milhões de euros.
Mesmo que um superiate seja uma demonstração excessiva de riqueza, os proprietários esperam sigilo dos funcionários em relação à sua fortuna e a seu paradeiro. Quando perguntado sobre o destino do Sea Rhapsody depois de pronto, o diretor comercial da MB92, Henk Dreijer, deu de ombros, sugerindo que seria “para o Caribe, mas também podem ser as Seychelles ou qualquer outro lugar. Trabalhamos para pessoas que preferem a discrição”.
Críticas
Em Barcelona, administrada por um governo esquerdista, nem todo mundo aprova a presença dos bilionários e seus megabarcos, cujas marinas normalmente são isoladas do resto da orla.
— Recebemos aqui as pessoas mais ricas do planeta, que não gastam um centavo nos bairros locais, preferem ficar nos iates que levam a bandeira de um paraíso fiscal qualquer e contratam tripulantes que não são daqui. Além disso, permitimos que empresas particulares de origens bem obscuras lucrem com terras públicas e, de quebra, ainda impeçam o acesso a uma área portuária que toda a população deveria desfrutar — dispara Gala Pin, vereadora pela cidade desde 2019.
Há 10 anos, ao lado de outros moradores, Gala Pin participou de manifestações em protesto contra o projeto inicial da construção de Port Vell, marina de propriedade particular para iates de luxo, mas hoje admite que o setor está firmemente estabelecido na cidade. Enquanto isso, a frota pesqueira local fica espremida em um espaço minúsculo, entre o estaleiro da MB92 e a marina dos superiates.
Port Vell está passando por uma reforma ampla para se tornar a maior marina para esses megabarcos do Mediterrâneo. É de propriedade da QInvest, firma de investimento do Catar, e de um grupo de investidores liderado por Vagit Alekperov, presidente da empresa petrolífera russa Lukoil — que também é sócio de um fundo administrado pela Squircle Capital, empresa de capital de risco com sede em Luxemburgo. Em 2019, a firma adquiriu a maioria das ações da operadora MB92.
— Mesmo que os donos passem pouco tempo em Barcelona, os maiores iates têm várias dúzias de tripulantes que passam bastante tempo aqui. São pessoas com um salário maior do que a média local, um dinheiro que não gastam a bordo. Segundo o estudo que a PwC fez para nossa empresa, a Port Vell contribui com 30 milhões de euros por ano na economia de Barcelona — diz Ignacio Erroz, diretor-geral da Port Vell.