Diariamente ao meio-dia, um carrilhão melódico ecoa por Montserrat. Durante quase dois meses, Krystal Bajkor, visitante da Carolina do Norte (EUA), pensou que fosse apenas o anúncio da hora, “um costume adorável do local”, admitiu a ex-analista financeira que atualmente está escrevendo um livro infantil.
Depois, seu marido ficou sabendo que o “relógio” de som agradável era, na verdade, um teste diário do sistema de alerta de erupções vulcânicas. O Soufriere Hills, que soterrou boa parte da ilha caribenha sob pedras e cinzas no fim dos anos 1990, continua ativo, produzindo uma nuvem de gás quente que parece pairar sobre a cratera.
O significado do carrilhão é uma das coisas que Bajkor talvez não tivesse percebido se fosse uma turista comum. Antes da pandemia, a maioria dos visitantes ficava em Montserrat um dia só, atracando no porto ou fazendo um passeio rápido antes de pegar a balsa novamente para voltar a Antígua, onde fica hospedada.
Agora, só para pôr o pé na ilha é preciso passar por um teste rigoroso de antecedentes e comprovar uma renda mínima de US$ 70 mil anuais. Até recentemente, também era necessário se comprometer a passar ali pelo menos dois meses. Em troca, a pessoa tem acesso quase exclusivo não só às praias, mas à realidade alternativa de uma área de 102 quilômetros quadrados onde o coronavírus parece não existir.
Logo depois que detectou os primeiros casos de covid-19, em março de 2020, o território britânico fechou as fronteiras ao turismo. Em abril de 2021, reabriu cuidadosamente, com um programa de trabalho remoto e exigindo que vacinados e não vacinados respeitem duas semanas de quarentena e depois façam o exame para a infecção antes de explorar a ilha. Até setembro, 21 viajantes de sete famílias participaram. A família de Bajkor foi a primeira. Cinco meses depois, continuava em Montserrat.
Na pandemia, diversas ilhas caribenhas tentam atrair o pessoal do home office oferecendo o visto de “nômade digital”, que permite ao estrangeiro permanecer ali até um ano ou mais. Mas o programa de Montserrat se destaca porque, em vez de estabelecer um tempo máximo de estada, exigiu um tempo mínimo de permanência. Também é peculiar porque, enquanto as outras ilhas preferem enfatizar as facilidades que oferecem a quem pratica o teletrabalho, Montserrat parece orgulhosa de dificultar a adesão à bolha de aproximadamente 5 mil pessoas onde poucos usam máscara ou se isolam.
— São muito seletivos em relação a quem deixam entrar. Já fiquei sabendo até de gente que foi rejeitada — informa David Cort, professor de sociologia da Universidade de Massachusetts em Amherst, que passou três meses em Montserrat com a esposa, analista de risco de viagens, e a filha.
Nas duas primeiras semanas, os visitantes ficam o tempo todo nos casarões que alugaram.
— Mas isso porque não se tem acesso a carro de aluguel antes do fim da quarentena. E o pessoal vem checar mesmo. De vez em quando você ouve um carro passando devagarinho — diz Patrick Bennett, de Nova York, que tem um site de viagens chamado Uncommon Caribbean e ficou entre maio e junho. — É só no segundo mês que você começa a entrar no ritmo do lugar.
— A pandemia nos deu a oportunidade de conhecer as pessoas e os lugares mais a fundo — comenta David Cort, cuja família permaneceu em Montserrat por três meses. — Sem contar que ser o único cliente do restaurante tem lá seus benefícios. Dá para conversar com o dono e ficar sabendo de histórias incríveis.
À noite, a família saía para caminhar em Little Bay, eleita a nova capital da ilha, já que o vulcão destruiu a antiga.
— É bem deserta, mas, cá entre nós, há coisas muito piores do que densidade populacional baixa durante uma pandemia — pondera Cort.
Mudança de parâmetro
Os parâmetros desse experimento mudaram em 1º de outubro: todo turista com imunização completa será bem-vindo em Montserrat. Mas o programa de trabalho remoto continuará sem a exigência da vacina. Segundo Cherise Aymer, porta-voz da divisão de turismo do gabinete do premiê, recentemente o território também deixou de exigir estada mínima de dois meses, embora as autoridades ainda não tenham anunciado isso abertamente.