Muito antes do álcool e da depressão, das noites regadas a drogas na lendária discoteca Studio 54 de Nova York e da promessa de um romance proustiano que jamais se materializaria, Truman Capote (1924-1984) era aclamado como um dos jovens escritores mais promissores dos Estados Unidos.
Foi esse Capote que conheceu o também escritor Jack Dunphy em 1948. Os dois se tornariam parceiros devotados por 35 anos. Mas, primeiro, Capote precisava conquistá-lo e, para isso, concebeu um plano: partir para a Itália.
Após breves paradas em Veneza, Florença, Roma e Nápoles, o casal se dirigiu a Ischia, uma ilha vulcânica na costa de Nápoles. A bordo de um bugue puxado por cavalos, com crianças agarradas ao carro, passaram por bodes balindo até Forio para depois chegarem a uma pequena vila pesqueira, onde ficaram quase três meses.
Aqueles dias se refletiriam em seu futuro: consolidaram as bases do ainda frágil relacionamento dos dois e possibilitaram uma rotina que seria muito benéfica a Capote – refugiar-se no Mediterrâneo para escrever.
Foi em Forio, e em outros lugares ao longo do Mediterrâneo anos depois, que ele mergulhou na produção dos livros Travessia de Verão, A Harpa de Ervas e sua obra-prima, A Sangue Frio, que acabou definindo o gênero romance de não ficção.
Durante a primavera e o verão do ano passado, saí em busca desses momentos idílicos à beira-mar, na esperança de poder reconstituir esses dias de um menino de ouro ao sol. Em uma manhã fresca de maio, embarquei em uma balsa em Nápoles, de onde observei os prédios em cor pastel da cidade se desintegrando aos poucos no glamour de uma Capri ainda distante.
Uma hora e meia depois, atracamos em Forio, na costa oeste de Ischia, e avistei a Pensione Di Lustro, antiga residência do casal localizada exatamente do outro lado do pequeno porto cercado por palmeiras. “É a pensione mais aprazível de Forio, além de ser uma barganha interessante”, escreveu Capote no ensaio Ischia, de 1949. Por aproximadamente US$ 200 por mês, eles tinham direito a “dois quartos enormes com grandes superfícies cobertas por azulejos”, vista para o mar e duas refeições com cinco pratos por dia.
Ao longo dos anos, o status financeiro de Ischia prosperou de forma significativa graças a uma indústria do turismo bem-sucedida, construída em cima das fontes termais naturais da região. Mesmo assim, pouco mudou na Pensione Di Lustro, onde Capote e Dunphy foram respectivamente o nono e décimo hóspedes americanos desde que a pousada havia sido inaugurada.
O quarto de número 3, de Capote, ainda se parecia muito com o que o autor descrevera, amplo com teto alto e em forma de abóbada, onde pude imaginá-lo trabalhando incansavelmente na produção de Travessia de Verão, um romance que, a princípio, ele tinha ignorado para depois retomá-lo e que só foi ser publicado postumamente em 2005.
Na pequena cozinha de azulejos brancos e azuis da pensão, que abriga um total de 10 quartos, conheci Gioconda Di Lustro, que, na época em que o casal se hospedou lá, tinha 19 anos e foi cozinheira e arrumadeira deles. Capote lhe concedeu bastante protagonismo no ensaio Ischia. “Gioconda não fala inglês e meu italiano é... melhor deixar para lá. De qualquer maneira, somos confidentes”, narrou o escritor. Agora, aos 88 anos, grisalha, mas ainda com bastante vigor, Di Lustro é proprietária da hospedaria com duas filhas, Maria Teresa e Giuseppina Di Lustro.
Naquela noite, pude apreciar uma longa refeição, similar às que Capote e Dunphy devem ter saboreado – começou com um delicioso risoto de tomate e berinjela e terminou com uma tradicional torta pastiera di grano –, tudo feito e servido por Di Lustro e suas filhas. (O preço? Continua, como Capote observara, “uma barganha interessante”: US$ 79 pelo jantar e uma diária no quarto.)
Taormina, o refúgio siciliano
O tempo que Capote passou em Ischia lhe permitiu estabelecer uma rotina tão produtiva, que até mesmo seu editor na Random House, Robert Linscott, reconheceu seu valor. Um ano depois, Capote e Dunphy retornaram à Itália, em abril. Dessa vez, foram a Taormina, na costa leste da Sicília. Quando o editor ficou sabendo que Capote pretendia deixar a ilha, Linscott praticamente o proibiu de seguir o plano antes que tivesse em mãos um manuscrito completo.
O manuscrito em questão seria a história de um improvável grupo de párias sociais escondidos em uma casa da árvore, no sudeste dos Estados Unidos. Foi escrito por Capote quase completamente na cidade de Taormina, localizada no topo de uma colina, e publicado sob o título A Harpa de Ervas, em 1951. Se você olhar com atenção, é possível ver nuances da Taormina de Capote por todo o livro.
Em uma visita em junho, encontrei o pequeno centro de Taormina tomado por uma multidão que se dissipava à medida que eu me afastava de Porta Messina, o portão histórico localizado no norte da cidade. Dois arcos de pedras depois, cheguei à Villa Britannia, cuja jovem proprietária, Louisa Vittorio, pode alegar fazer parte da herança literária de Capote no local: muitos membros de sua família, incluindo o pai, Nino Vittorio, estão entre os interessantes personagens retratados no ensaio Fontana Vecchia, de 1951, e ainda vivem na mesma rua estreita. O nome do texto foi emprestado da residência de Capote e Dunphy em Taormina, uma casa rosada situada acima da Villa Britannia em sentido diagonal.
A temporada espanhola
Em novembro de 1959, de volta a Nova York, Capote deparou com uma manchete de jornal: “Fazendeiro rico e mais três da família assassinados”. Com a ajuda de uma amiga de infância, Harper Lee, passou quase três meses nas planícies elevadas do oeste do Kansas para pesquisar o que seria um pequeno artigo para a revista The New Yorker. Não demorou para que esse escopo inicial limitado se tornasse em A Sangue Frio, o romance de não ficção muito aplaudido e que levou Capote a cruzar o Atlântico mais uma vez. Acompanhado de Dunphy e de malas repletas de anotações datilografadas, Capote chegou a Palamós em abril de 1960, uma cidade litorânea vibrante ao norte de Barcelona, considerada um retiro para os moradores de grandes cidades.
Em uma manhã muito quente no começo de agosto, encontrei Maria Àngels Solé, guia de turismo do Museu da Pesca, que, quase todo verão, organiza o tour A Palamós de Truman Capote. Caminhamos pela Rua Major, a principal e animada via da cidade, onde apenas pedestres são permitidos. Lá, ela me mostrou as lojas que Capote frequentava. Próximo do porto, encontramos a placa sinalizando o lugar da primeira residência de Capote, um conjunto de apartamentos de cinco andares. Dois outros lugares habitados por Capote também não existem mais há muito tempo, contou Josep Colomer, proprietário de um dos hotéis mais antigos e legendários de Palamós, o Hotel Trias. Eu combinara de me encontrar com ele e sua esposa, Anna Maria Kammüller, no lobby onde, segundo o casal, Capote lia o jornal pela manhã acompanhado de um gim martíni.
Enquanto a cidade de Palamós passou por muitas transformações, Castell-Cap Roig, uma área protegida que se espalha por 1.092 hectares de penhascos de granito vermelho, enormes pinheiros e enseadas desertas, quase não mudou. Entre suas poucas casas, está a ampla mansão sobre a enseada de Sanià, que Colomer disse ter conseguido para Capote alugar durante a última primavera e o último verão que passou em Palamós.
A derradeira – e mais majestosa – residência de Capote no Mediterrâneo tinha pintura branca e portão verde-escuro. Foi lá que ele trabalhou na terceira e maior parte de A Sangue Frio e recebia ocasionalmente amigos famosos, incluindo Gloria Vanderbilt, cujo iate ficava ancorado na enseada.
Não é possível chegar a Sanià a pé, por isso desci por uma trilha íngreme de pedras até Canyers, enseada adjacente ao santuário privado de Capote. A água era tão cristalina que eu conseguia ver claramente através das conchas sobre as pedras enquanto as atravessava.
Capote havia considerado comprar essa casa ou outra nas proximidades, mas acabou cedendo à vontade de Dunphy, que adorava esquiar. Após deixarem a costa espanhola, no outono de 1962, não voltaram a viver juntos no Mediterrâneo. Em 1966, A Sangue Frio transformou-se em best-seller, marcando tanto o ápice da fama e das conquistas de Capote como também o início de sua eventual derrocada. Antes de tudo isso, contudo, ele teve penhascos rochosos, praias desertas e, acima de tudo, um grande amor – atributos encantadores da vida privada de um escritor público ainda experimentando seus melhores anos.
Por Ratha Tep