O viajante frequente vive um dilema perpétuo: vale a pena desfazer a mala quando fora de casa, só para ter o trabalho de refazê-la depois? Ou talvez essa não seja nem uma dúvida a ser levada em consideração, mas sim um hábito profundamente arraigado, semelhante ao ritual de sempre despachar a bagagem, pedir o assento da janela em vez do corredor e separar roupas específicas para determinados itinerários.
Comecei a pensar em desfazer a minha há alguns meses, no meio de uma viagem de dois meses entre a Turquia e a Geórgia. Tarimbada em me virar com a tralha sem tirá-la do lugar, eu me vi ansiosa, ou melhor, contando os minutos para chegar a Tbilisi, onde ficaria algumas semanas com meu marido, para pôr tudo nos armários. Já ele, mantendo a tradição, estava bem satisfeito em deixar metade das roupas dobrada e a outra metade empilhada no chão.
— Desfazer as malas é uma forma de ter algum controle sobre o ambiente que o cerca. Durante a viagem, a bagagem é um pedaço de você, de sua vida, que o acompanha — diz a psiquiatra Jean Kim, professora da Universidade George Washington que escreve sobre viagens e saúde mental.
Uma pesquisa totalmente informal feita nas minhas redes sociais revelou que as pessoas não só têm hábitos bem peculiares na hora de desfazer as malas como defendem suas escolhas com unhas e dentes.
— Olhos claros, coração cheio, nunca tirar nada da mala — defende Jesse Friedman, de Los Angeles, que escreve sobre gastronomia e viagens.
— No ano passado, seguindo o conselho da minha mãe, é claro, comecei a tirar tudo das malas assim que chegava ao hotel. As viagens ficaram muito mais fáceis e passei a me sentir mais em casa — revela Melissa Blaustein, fundadora da Allied For Startups, associação de políticas para startups, que muitas vezes tem de visitar dois ou três países em cinco dias.
Agilidade
Mesmo que você não se importe ou se interesse em desfazer as malas, arrumá-las com atenção e cuidado ajuda a fazer da viagem uma experiência mais fácil e ágil. Dan Pierson, fundador da Bolt Travel, uma agência de turismo que opera na base de adesão, por exemplo, se concentra na organização e integração:
— Todas as minhas roupas vivem em um saco estanque, enroladas no melhor estilo militar, que é para não amassar. Coisa mais fácil é pôr e tirar da mochila. Cada item, incluindo carregador e objetos de higiene pessoal, tem um lugar determinado, aí é só bater o olho para saber o que está faltando e não perder nada.
Essa preferência por uma opção nem lá nem cá — apenas tirando uma sacola de itens que vive na mala — pegou bem graças àqueles organizadores, cada vez mais populares, levezinhos e em diferentes tamanhos.
— Sempre chamo de gavetas portáteis. Em vez de fazer aquela pilha horrorosa, tirando tudo de uma vez, basta pegar os cubos e colocar nas gavetas do lugar onde você está hospedado. Desmontar tudo, só mesmo para estadas mais longas — ensina Indré Rockefeller, cofundadora e uma das CEOs da empresa de bagagem Paravel, que vende kits de organizadores feitos a partir de garrafas PET recicladas.
Portabilidade
Se a ideia de transferir os pertences da mala para as gavetas do armário não lhe apetece, transformá-la em um espaço organizado pode valer muito a pena. Laura Wass, fundadora e designer da joalheria WXYZ do Brooklyn, em Nova York, já se viu procurando uma que tivesse gavetas embutidas.
— Eu queria alguma coisa no estilo daqueles baús antigos da Louis Vuitton, que basta abrir e pronto, dar de cara com o guarda-roupa inteiro — diz.
Pois ela encontrou uma solução muito boa, “se não perfeita”, no The Carry-On Closet, da empresa de bagagem sustentável Solgaard, uma mala de tamanho normal que tem prateleiras embutidas que podem ser comprimidas para transporte, abertas quando acomodadas e removidas se não forem necessárias.
Wass, que está na estrada desde maio passado e também escreve um blog chamado Passportability, se tornou “meio obcecada” em criar o kit de viagem perfeito:
— Faz muito mais sentido otimizar, mesmo que você desfaça as malas, inclusive lhe dando a opção de se sentir em casa.
Flexibilidade
Essa sensação de “se sentir em casa” pode ser o fator decisivo na hora de desfazer as malas (ou não), e mesmo descobrir se essa é a solução adequada para a pessoa.
— É muito parecido com a delimitação de território. Você só deve ficar atento a qualquer coisa que acirre a ansiedade: sentir compulsão para tirar as coisas da mala, ficar se recriminando por não seguir um determinado padrão de regras — alerta a psiquiatra Jean Kim.
Contar com certo grau de flexibilidade e experimentação também ajuda, diz Jean:
— A viagem é uma ocasião que convida às novidades. É o momento perfeito para testar e experimentar coisas diferentes, dentro dos limites, claro (pessoalmente, ela prefere não desfazer as malas, para evitar o risco de esquecer alguma coisa).
Quanto a mim, já descobri e aceitei a paz e a satisfação que hoje encontro em esvaziar completamente a mala, mas só se for ficar no mesmo lugar mais de três noites.