Quando surgiu a oportunidade de levar meus filhos para passar parte do verão na Ásia, deixei o bom senso de lado e a aproveitei – e, para garantir que voltassem com algo mais duradouro do que apenas carimbos no passaporte, transformei a viagem em uma aventura didática, com direito a troféu para os vencedores.
Luke, de treze anos, e Ben, de dez, já tinham participado dos esquemas malucos do pai em outras ocasiões, mas não sabia como iam encarar a proposta dessa vez. Enquanto comíamos pizza e kimchi, fiz minha sugestão: em vez de férias bobas, com todo mundo sentado na praia, no tédio, o tempo todo, que tal uma aventura didática movimentada? Tipo, para cada livro com temas asiáticos que vocês lerem, ganham de um a três pontos, dependendo da grossura e do grau de dificuldade. Para cada museu visitado, um ponto; cada filme visto, dois; cada hora de documentário, um; cada experiência nova, um; alguma comida esquisita, um, e por aí vai. E quem fizer cem pontos primeiro ganha um troféu – isso mesmo, um troféu! Que tal?
Pois eles não só toparam a ideia, como na mesma hora começaram a pensar em maneiras de driblar o sistema.
Ben quis saber se pontuaria com aquele filme do Matt Damon sobre os monstros que atacaram a Grande Muralha da China que vimos há alguns anos; Luke ficou mais interessado em saber o que aconteceria se ganhasse mais de cem pontos – algo em que, por sinal, nem pensei. Tolinho, concordei que, com 125 pontos, eles receberiam US$ 100 ou uma refeição excelente em Paris, onde moramos. Os dois, mais que depressa, optaram pela segunda sugestão; só não ficou muito claro se isso era sinal de esnobismo gastronômico ou calculismo frio – a consciência de que uma refeição "excelente" na capital francesa sairia por muito mais de US$ 100.
Como não achei um itinerário estabelecido que esse encaixasse nas nossas necessidades, usei o AirTreks.com para comprar uma série de voos de baixo custo: para Bangcoc via Abu Dhabi, depois para Macau e Hong Kong, Pequim, Seul e Osaka, voltando via Tóquio. As acomodações eu reservei praticamente só pelo Airbnb, procurando ficar em bairros residenciais.
Depois de uma maratona final de compra de livros, saímos de Paris rumo a Bangcoc.
Para ajudar na aclimatação, tinha optado pelo único hotel "chique" da viagem, o Anantara Riverside Bangkok Resort. E o investimento extra valeu a pena, porque a piscina ofereceu o único refúgio das duas características climáticas que marcariam toda a nossa viagem: um calor e umidade brutais ao ar livre e o ar-condicionado no talo, congelante, nos lugares fechados.
Começamos nosso estudo com dois monumentos da cidade, o Grande Palácio e o templo Wat Pho – um ponto cada, claro. Ben, o rosto vermelho por causa do calor, se acomodou na sombra e se recusou a participar das conversas. Bom, ele estava aprendendo no seu ritmo próprio e eu não podia culpá-lo.
Naquela noite, assistimos a um documentário sobre a vida do rei Bhumibol Adulyadej e seu filho, o atual monarca, e a diversos programas sobre a história tailandesa. Um ponto. Fiquei impressionado com o entusiasmo dos dois com o aprendizado, mas fiquei me perguntando quanto tempo aquilo ia durar.
Talvez pelo fato de nossas atividades "culturais" serem realizadas em meio a um forte calor e muita poluição, o que nos deixava exaustos, os meninos começaram a investir mais nos livros: uma biografia infantil de Buda, "Macaco Rei", "A Lenda do Cortador de Bambus", artigos sobre a China antiga.
Um dia, bem cedinho, na cobertura do hotel, os dois experimentaram o muay thai com o professor da academia, chutando, dando socos e driblando um ao outro no ringue abrasador. Ninguém se sagrou campeão, mas cada um marcou um ponto.
No Centro de Arte e Cultura, encontramos Yoonki Kim, fotógrafo coreano que passou anos retratando a vida na favela de Khlong Toey, e as histórias que nos contou foram mais do que reveladoras. E me fez lamentar não ter planejado a viagem para mostrar aos meus filhos, tão privilegiados, como é difícil a vida de milhões de pessoas que vivem na pobreza. Depois decidi que podemos fazer essa quando estiverem mais velhos. Em vez de vermos um vídeo. É isso aí.
Na Tailândia tivemos alguns dos momentos mais marcantes da turnê: um passeio de bicicleta com a Co van Kessel Bicycle & Boat Tours Bangkok nos levou ao meião da metrópole, onde pudemos conferir de perto a vida local e, de quebra, lagartos monitores gigantescos. No Parque Nacional Khao Yai, andamos de elefante em um rio lamacento e depois caminhamos por uma trilha tropical montanhosa, com pássaros, belas árvores... e minúsculas sanguessugas, que vieram atrás de nós às centenas. (Sugeri um ponto por cada dez mordidas, mas eles não quiseram nem saber. Aliás, a natureza também acabou me dando uma lição, já que uma das vampirinhas conseguiu grudar na minha canela e, em 45 minutos, inchou e ficou do tamanho do meu polegar.)
Cheguei a falar aqui que deixamos todos os eletrônicos para trás, com exceção do meu smartphone e laptop? Certamente, os filhos (e os pais também) se mostram bem mais animados com museus, leitura e documentários quando não há outra coisa para fazer. Porém é sabido que, entediados, os garotos brigam. Muito. De vez em quando até cheguei a imaginar se valia mesmo a pena tentar ensinar dois meninos que, às vezes, pareciam determinados a vagabundar – vide a batalha de catotas de Osaka, seguida pela noite dos narizes sangrando simultaneamente –, em vez de mergulhar na civilização oriental.
Não deu outra. Ben acabou entrando em greve, recusando-se a ler ou participar de qualquer coisa. Eu lhe disse que compreendia que, se quisesse, poderíamos parar com o desafio de uma vez – mas, na manhã seguinte, ele voltou a se entusiasmar e a disputar os pontos com animação.
Em Hong Kong, vimos um filme chinês sobre as Guerras do Ópio e, por alguma razão, um documentário sobre os imóveis locais. O Museu de História estava fechado no único dia livre que tínhamos para vê-lo, por isso acabamos seguindo para o Museu Marítimo, o que foi uma sorte danada, pois acabou sendo o favorito da viagem, combinando a história das atividades marinhas chinesas com mostras da indústria naval atual. O passeio de ônibus à Ilha de Hong Kong, com parada obrigatória no Pico, lhes garantiu um ponto fácil.
Por que faço questão de que eles aprendam coisas sobre a Ásia? Porque o continente foi uma grande parte da minha vida, a começar dos tempos de fuzileiro em Okinawa, tendo de aprender japonês com um livrinho de frases de bolso, e, mais tarde, dando duro como aluno em Tóquio e Seul antes de sair para trabalhar em vários lugares como jornalista e tradutor. Eu queria que entendessem o que é dar duro e se sacrificar por algo que se deseja. De qualquer forma, estava todo animado comentando essas experiências uma noite, quando percebi que estava falando sozinho – e que tinha interrompido uma discussão feia porque Benjamin teimava ter visto "Cantando na Chuva".
Macau foi uma decepção: a menos que você queira conferir a capital asiática do jogo, recomendo que evite. Para nós, não tinha nada.
A seguir, Pequim, ou pelo menos essa era a intenção. Eu optara pelo "visto em trânsito" de 144 horas, recém-implantado – emitido na chegada –, porque é gratuito, ao contrário do visto comum, que custa US$ 140 por pessoa. Segundo os relatos dos viajantes que eu lera on-line, parecia bem simples, tipo, era só se apresentar. No voo de Macau já começáramos a imaginar as atividades que ganhariam mais ou menos pontos, como fazer os famosos guiozas, visitar a Grande Muralha e aprender a jogar xadrez chinês.
Só que nem passamos pela Imigração: folheando as páginas do meu passaporte, o agente se deparou com antigos vistos para o Afeganistão, lembranças de dois ou três períodos de trabalho na filial do "The New York Times" de Cabul. Não caiu nada bem.
Fomos convidados a sair da fila e, depois de tirarem minhas digitais e me interrogarem, fomos informados de que não poderíamos entrar na China (sem justificativas). E tudo em que consegui pensar foi que os pontos de nossa aventura de estudo em Pequim tinham acabado de virar fumaça! O lado positivo da coisa toda foi eu poder mostrar aos meus filhos, na prática, o que significava a frase "inferno burocrático".
Ben e Luke encararam tudo muito bem, matando tempo, lendo e tentando manter o clima positivo solucionando enigmas de lógica. Enquanto perdíamos tempo na detenção da Imigração, eu lhes disse que, sim, era um absurdo não nos oferecerem nada para comer, apesar de não termos comido nada há dez horas e, sim, íamos pagar os olhos da cara por adiantar as passagens, mas estávamos aquecidos e secos e íamos sair dali logo. No total, passamos vinte horas assustadoras no aeroporto de Pequim antes de partirmos rumo a Seul, cinco dias antes do previsto.
Horas depois da chegada à capital sul-coreana, porém, Luke e eu nos vimos com febrão e ficamos três dias de cama. Usamos a pausa forçada da melhor forma possível, vendo um documentário excelente da PBS, "China, um Século de Revolução", alguns vídeos sobre o Imperador Qin Shi Huang e os guerreiros de terracota em seu túmulo, e noticiários sobre o presidente Xi Jinping. Com tanta coisa sobre a China, dei aos meninos dez pontos cada, mais que merecidos.
Seul nos surpreendeu com dois museus de história muito bons: o Nacional e o Memorial de Guerra. Passamos um dia inteiro em cada um. Exploramos o Palácio Gyeongbokgung, em um calor de quase 39 °C, para faturar outro ponto. Como ainda estávamos meio fracos, tivemos de deixar o passeio à Zona Desmilitarizada para outra ocasião, mas os meninos conquistaram pontos por ler "King Sejong", "Admiral Yi Sun-sin", "Joseon's Royal Heritage" e "Classic Korean Tales", entre outros.
Antes de sairmos do país, começamos a ver "Vietnã, uma História de TV", documentário da PBS em treze partes, uma introdução soberba à guerra, e, como nossa única fonte sobre o que os franceses e norte-americanos aprontaram ali, valeu dez pontos.
Nossa chegada a Osaka marcou a metade da nossa viagem; dali, com os passes do Japan Rail em mãos, visitamos Osaka, Hiroshima, Nagasaki e Kyoto em uma rápida sucessão, vendo praticamente um museu por dia.
No Museu de História e Cultura de Nagasaki, os meninos participaram de um workshop musical interativo com Shinnai Shikoudayuu, mestre do samisen, instrumento de três cordas que produz o som característico da música tradicional japonesa.
Será que existe um país melhor para viajar com crianças do que o Japão? Só em Osaka, os meninos jogaram beisebol virtual, pescaram no subsolo de uma galeria (Ben pegou uma carpa) e aprenderam a arte da espada samurai-ninja. Visitamos os museus da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki em sequência (excessivo, talvez) e tivemos o belíssimo templo Zenrinji de Kyoto praticamente só para nós. No Museu de História e Cultura de Nagasaki, os meninos participaram de um workshop musical interativo com Shinnai Shikoudayuu, mestre do samisen, instrumento de três cordas que produz o som característico da música tradicional japonesa.
Chegamos a Tóquio um dia antes de expirar nosso Rail Pass, aliviados por podermos passar uma semana em um lugar com nossos amigos e seus cinco gatos. E os meninos conquistaram muitos pontos mais antes de a viagem acabar.
De volta a Paris, fizemos a contagem: Luke ganhou um troféu e a refeição "excelente", enquanto Ben, que enfrentara um desafio ainda maior porque a maioria dos livros estava acima de seu nível de leitura, também saiu com um prêmio.
Recapitulamos a viagem e tudo o que aprendemos, e sentamos para ver um último filme: "Skinny and Fatty", um clássico japonês em preto e branco que foi apresentado aos EUA no Festival Infantil da CBS por Kookla, Fran e Ollie.
Foi o filme que estimulou meu interesse permanente pela Ásia. Assistindo a ele de novo ali com os meninos, envolvidos pela história simples de dois garotos de origens diferentes que se unem para superar o tipo de crise que as crianças enfrentam, fiquei imaginando se, daqui a alguns anos, eles se lembrariam de tudo isso.
Senti um aperto na garganta e olhei pela janela. O céu parisiense de fim de verão estava claro e, nas árvores, as folhas se agitavam, dando os primeiros sinais do outono. "Dois pontos, meninos", eu disse. E aí já era hora de levá-los para a casa da mãe, para se prepararem para o novo ano letivo.
Por David Jolly