Um equívoco persiste em Cleveland, nos Estados Unidos, e se resume a três palavras: rio em chamas. De 1868 a 1969, o poluído Cuyahoga, que cruza a cidade de leste a oeste, pegou fogo treze vezes. Há 50 anos, uma foto dramática da revista Time mostrava um barquinho de bombeiros corajosos lutando contra uma cortina de labaredas furiosas (a imagem pode ser vista no site da revista).
Não importava que a imagem, na verdade, fosse de 1952; o artigo chocou a nação, e o rio incandescente se tornou assunto nacional e símbolo do desespero do Cinturão da Ferrugem. James Earl Jones chegou a narrar um documentário sobre ele.
Agora em junho faz meio século que o Cuyahoga se incendiou pela última vez. E a revolta com o desastre levou à criação de agências de proteção ambiental estadual e federal, além da aprovação do projeto da Lei da Água Limpa.
Graças a essas salvaguardas e à formação de um núcleo de saneamento regional, a face pública de Cleveland está se redefinindo, a ponto de fazer o turismo crescer. Em 2017, o Destination Cleveland, órgão que cuida da atividade, anunciou um aumento de quase 550 mil visitantes por ano desde 2009.
E há também o exemplo de como um rio que já foi tão tóxico, a ponto de borbulhar e destilar fedor feito um caldeirão, hoje produz vida marinha comestível: a Ohio EPA anunciou em março que os peixes do Cuyahoga, incluindo o peixe-gato e a carpa, são seguros para consumo.
— A população local leva o rio muito a sério, e é por isso que esse aniversário é tão importante para a cidade; afinal, é uma história de sucesso — afirma David Stradling, um dos autores de Where the River Burned: Carl Stokes and the Struggle to Save Cleveland.
Para comemorar a recuperação fluvial, centenas de organizações ambientais e de arte se uniram para a Cuyahoga50, uma série de eventos, exposições, espetáculos e conferências que serão realizados este ano com o objetivo de apresentar o rio aos visitantes ou refamiliarizá-los com ele. Para completar, a organização nacional de defesa e conservação American Rivers nomeou o Cuyahoga como Rio do Ano em abril.
— É realmente a pérola da cidade — orgulha-se Bob Irvin, presidente e CEO da instituição.
Os maiores eventos da Cuyahoga50 usam a arte para refletir sobre o rio – e o maior destaque será revelado só no dia 22 deste mês, quando os pedestres terão um raro acesso ao antigo nível do bonde na Ponte Detroit-Superior, onde a coletiva britânica Squidsoup montará duas imensas instalações de luzes multissensoriais. A mostra é parte da iniciativa Waterways to Waterways da Cleveland Foundation, que reúne artistas locais e internacionais para criar obras que unem o Cuyahoga aos esforços mundiais de limpeza hídrica.
No centro da cidade, compacto e revitalizado, o Cuyahoga serve de cenário para The Flats, bairro residencial e de entretenimento onde a indústria pesada antes gerava o lixo tóxico que fez o rio pegar fogo tantas vezes. Hoje, o que mais se vê por lá são remadores, já que empresas como a Great Lakes Watersports oferecem aluguel de barcos e caiaques. A área também abriga apartamentos novos, um serviço de táxi aquático, um parque de skate e o hotel Aloft, artisticamente pitoresco. Restaurantes populares com belas vistas para a água incluem o Merwin's Wharf, bar & grill casual administrado pelo sistema Cleveland Metroparks, de 9.300 hectares, e o Collision Bend Brewing Co., uma cervejaria artesanal com vista para os navios imensos carregados de minério de ferro que deslizam nas águas.
Ver atividades recreativas ligadas a um rio que deu início a um movimento ambiental é uma mudança radical para o pessoal da cidade, mas também para quem não é daqui e que já ouviu falar e, de repente, se depara com o Cuyahoga hoje, tipo: 'Peraí, não era esse o rio que eu tinha em mente.
JIM RIDGE
Fundador do Share the River
The Flats também é um bom ponto de partida para um passeio, caminhada ou pedalada ao longo da Towpath Trail, uma trilha de pouco menos de 140 quilômetros meticulosamente restaurada que segue a rota do Canal Ohio & Erie. Ela serpenteia por áreas residenciais, industriais e florestais de Cleveland e vai até o Condado de Tuscarawas, 112 quilômetros ao sul. As paisagens mais bonitas ao longo do caminho incluem cachoeiras, pontes cobertas e outros pontos do Parque Nacional do Vale do Cuyahoga, que se estende a 35 quilômetros do rio, entre Cleveland e Akron, perfeitos para aquela selfie esperta.
Vale a pena começar no bairro de Tremont, no mirante de frente para o Sokolowski's University Inn, onde o pessoal local degusta o pierogi amanteigado há mais de 92 anos. Prefere que outra pessoa assuma o comando? A Cuyahoga Valley Scenic Railroad corre paralela à Trilha Towpath e ao Cuyahoga, e oferece excursões o ano todo.
Os moradores de Cleveland falam do rio incandescente com bom humor; bares, restaurantes e outras casas exploram seu passado inflamável. Um exemplo? A popular Burning River Pale Ale da Great Lakes Brewing Co., que tem um pub no badalado bairro de Ohio City. Nos dias 21 e 22 de junho, a cerveja estará à venda no Great Lakes Burning River Fest, festival de música e cerveja artesanal que será realizado na estação histórica da Guarda Costeira de Whiskey Island, na foz do Cuyahoga.
Para Jim Ridge, fundador do Share the River, grupo sem fins lucrativos que trabalha pela conscientização sobre a orla de Cleveland, o Cuyahoga conseguiu algo que poucos consideravam possível há algumas décadas: tornou-se um destino.
— Ver atividades recreativas ligadas a um rio que deu início a um movimento ambiental é uma mudança radical para o pessoal da cidade, mas também para quem não é daqui e que já ouviu falar e, de repente, se depara com o Cuyahoga hoje, tipo: 'Peraí, não era esse o rio que eu tinha em mente — comemora ele.
Por Erik Piepenburg