Meu nome é Leandro Bazotti, tenho 38 anos, sou guia de montanha e turismólogo, natural de Porto Alegre. Acabo de retornar de uma viagem de moto de 10 meses por seis países da América do Sul, percorrendo 32 mil quilômetros por estradas alternativas e inóspitas. Viagem esta em que tive oportunidade de conhecer lugares incríveis, belas paisagens, lindas pessoas e culturas sem igual. Estava sozinho — ou melhor, eu e minha “Valiente”, uma moto modelo Super Tenere 250, ano 2011.
Com essa viagem, pelo norte do continente, chegando ao seu ponto mais setentrional (Punta Gallinas, na Colômbia, o extremo oposto da Baia Lapataia na Terra do Fogo), terminei o projeto de percorrer toda a América do Sul em duas rodas. A primeira etapa, pelo sul do continente, eu fiz de bike, em 2015, de Ushuaia a Cusco, pedalando durante quase um ano 9,5 mil quilômetros, sendo 7,5 mil por estradas de terra.
Em 2018, saí de Porto Alegre e peguei a ruta de las altas cumbres, em Córdoba, e cheguei a Mendoza, na Argentina. De lá, rumei pelo deserto de Atacama até o salar de Uyuni, no sudoeste da Bolívia.
A partir desse ponto, subi a Bolívia de sul a norte, fazendo zigue-zague durante dois meses, em muitas ocasiões enfrentando falta de combustível e água. Foram os caminhos mais alucinantes, perigosos e isolados pelos quais já passei na vida, cruzando por todo tipo de paisagens, ambientes e também culturas.
Na cordilheira dos andes, a 5 mil metros de altitude
Priorizei os parques nacionais e as reservas ecológicas até a tríplice fronteira entre Bolívia, Brasil e Peru, onde segui por quase três meses na mesma batida do puro off road, sempre pela crista da Cordilheira dos Andes, por locais a mais de 5 mil metros de altitude.
Também mordisquei um pouco de floresta amazônica, com nuvens de insetos e atoleiros, até entrar no Equador, onde fiz a rota dos vulcões. Passei pelas principais cidades da Amazônia. O destino seguinte foi cruzar para a Colômbia – a cereja do bolo da viagem.
Lá, fiz um circuito em forma de “oito”, passando por todo tipo de estradas/regiões/climas/ambientes, e, claro, lindas paisagens. Paradas inesquecíveis por locais como Punta Gallinas, Parque Tayrona, Islã Baru (ao sul de Cartagena), Pedra de Guatape (a rocha de 220 metros de altura, a qual é possível subir utilizando uma escada de 649 degraus), Hacienda Napole (célebre moradia de Pablo Escobar), a estrada de Trampolín de La Muerte, dentre muitos outros locais e cidades.
Em saco de dormir, com temperatura negativa
Na moto, eu levava todo o necessário. Quase sempre cozinhei o que comi, seja no café da manhã, no almoço ou na janta, e acampei na maioria das vezes, seja na barraca, na rede ou apenas com o saco de dormir, mesmo a 5 mil metros de altura, com temperaturas abaixo de zero que congelavam o motor da moto pela manhã. Às vezes, passava a noite em alguma casa ou tetinho abandonado na beira dos caminhos. Em outras, quando estava em algum povoado ou cidade maior, recorria às redes de apoio a motoviajeros espalhadas por toda a América do Sul.
Perdi a conta das vezes em que caí com a moto em todo tipo de terreno, geralmente a baixa velocidade e por desatenção, enquanto admirava as belezas da natureza – e sempre sem gravidade. Mas poderia ter me matado ou arrebentado com ela mil vezes, pois esse tipo de estrada não é brincadeira, ainda mais quando se está sozinho no meio do nada, perdido nas montanhas, nos desertos ou nos salares.
Retorno pela margem do Oceano
O retorno foi todo pela costa do Pacífico, cruzando o Oásis de Ica, no Peru, e pelas linhas de Nazca até o Chile, passando pela Mão do Deserto e voltando pelo Paso de Jama, entre Argentina e Chile. Ao longo do caminho, escalei montanhas nevadas e vulcões ativos nos Andes, andei de barco no meio da Amazônia, de jet ski no Caribe, de 4x4 em dunas, mergulhei em rios de todos os tipos e cores, me banhei em cachoeiras gigantescas pendurado por cordas, caminhei acampando por dias no meio de vales, florestas e montanhas até chegar a ruínas incas escondidas de tudo e de todos.
Explorei cavernas passando horas no subterrâneo, conheci parques jurássicos, vi discos voadores e finquei a bandeira em todos os países por onde passei. Mas, muito além disso, fiz muitas amizades, conheci pessoas incríveis, e toda sua cultura e costumes, provando pratos e bebidas típicas, compartilhando muitos aprendizados e recebendo muitos ensinamentos ancestrais da Pacha Mama com suas distintas tribos.