Carcassonne, uma cidadela fortificada ao sul da França, era um dos troféus cobiçados por conquistadores da Idade Média. Erguida durante o Império Romano, cresceu nos séculos seguintes e se tornou reduto de questionamentos à Igreja Católica. Abriu as portas, por exemplo, aos Cátaros, considerados hereges e perseguidos na Cruzada Albigense _ guerra-santa que se iniciou em 1209 com o cerco vitorioso à cidadela.
A cidade perdeu brilho no início do século 16, com o crescimento do povoado para além de suas muralhas, até ser resgatada e restaurada no início dos anos 1900. Hoje, as multidões que forçam as portas do forte e invadem os antigos casebres são turistas japoneses, europeus e americanos, que se espremem para achar o melhor ângulo para fotografar esta que é considerada a maior e mais bem preservada fortificação medieval do mundo.
Minha esposa e eu visitamos Carcassonne em julho deste ano. Chegamos de trem no final da tarde. Ventosa e deserta, a cidade se preparava para fechar as cafeterias e brasseries. Arrastávamos apressados nossas malas entre as ruas estreitas, vigiadas por prédios esguios e centenários, tentando encontrar nossa hospedagem. Por sorte, chegamos a ela antes que o último raio de sol nos deixasse, onde conhecemos nossa anfitriã, uma graciosa senhora para lá dos 50 anos que não arriscava uma palavra sequer em inglês (para nossa tranquilidade, seu filho era um intérprete impecável).
A atmosfera prosaica na nossa chegada é um retrato da parte moderna de Carcassonne, um pacato povoado onde o sossego das ruas causa a impressão de que todo mundo resolveu se mudar, exceto os vendedores de quebabes e os garçons das bodegas. Mas passa bem longe do furor turístico no interior da cidadela histórica, distante menos de dois quilômetros do centro da cidade.
Ali, onde havia casebres castigados por batalhas e incêndios, hoje há lojas de suvenires que vendem capacetes, balistas, armaduras, espadas e escudos _ tudo de plástico, evidentemente. Nas ruelas de pedras acinzentadas, a questão agora não é escapar dos cavaleiros com suas espadas furiosas, mas ser rápido o suficiente para desviar dos paus de selfie dos visitantes.
As praças, outrora pontos de reunião de moradores aflitos com os cerco de Carlos Magno ou de exércitos muçulmanos, hoje estão cercadas de restaurantes cujo prato principal nasceu dos dias de escassez: o cassoulet, mistura de feijão branco cozido lentamente com carne de ganso, pato e/ou porco.
Tudo muito interessante, mas nada que se compare às gigantescas muralhas duplas da cidadela, formadas por 52 torres pontiagudas, que dão uma visão privilegiada do interior da fortaleza: a basílica de São Nazário, uma irmã menor da parisiense Notre Dame, o Castelo Comtal, residência dos antigos soberanos e dentro do qual um museu resgata a história da região.
Quem tem o privilégio de visitar a fortaleza à noite, lindamente iluminada, encontra um ambiente animado com música ao vivo nos bares e apresentações culturais pelas ruas. Mas o melhor ainda está por vir: lá pela meia-noite, quando os turistas voltam para seus hotéis, sob silêncio e sombras, percebe-se que, embora tenha sido transformada na Disney de Idade Média, Carcassonne sempre reencontra o tédio medieval para mergulhar no merecido descanso de uma senhora com mais de 2 mil anos de idade.
Como chegar
- Os TGV's (trens de alta velocidade) que saem das principais cidades da França param em Carcassonne. Alguns trens que partem de Barcelona para Paris fazem escala na cidade.
- É possível ir de avião, embora poucos voos internacionais desçam no aeroporto de Carcassonne. Uma opção aérea é desembarcar em Toulouse e tomar um ônibus por 96 km até a cidade.