Coloquei os braços ao redor de Leonardo, nosso motorista de moto, enquanto ele acelerava nossa Yamaha sobrecarregada pelo concreto quente e cheio de buracos.
- Você entendeu alguma coisa? - ele gritou por cima do ombro, pegando velocidade e nos levando em meio à noite espessa.
Eu não havia entendido. Eu fiquei sentada durante uma conversa de dez minutos à beira da estrada entre Leonardo e seu amigo sem camisa e, aparentemente, se desculpando. Insetos haviam ameaçado meus tornozelos, o escapamento causticante da motocicleta ameaçara minha panturrilha direita e eu disse somente uma palavra: "Desculpe". Meu marido, Tim, se sentava atrás de mim, abraçando minhas costas, com os pés esmagados abaixo dos meus. Ele também não entendera nada.
- Tem gente que diz que falamos patoá, mas é inglês, inglês crioulo - disse Leonardo.
Era sábado à noite em "Old Providence", como os moradores do lugar, o povo afro-caribenho raizal, chama a segunda maior ilha no remoto território colombiano de San Andrés, Providencia e Santa Catalina. Tim e eu havíamos chegado uns dias antes, depois de tomarmos uma rota tortuosa: três voos em três dias, um avião menor do que o outro, como aquelas bonecas russas que se encaixam umas dentro das outras. Quando finalmente pousamos, nossa primeira visão foi dos destroços sem hélice nem trem de pouso de um avião com menos sorte; a segunda foi meu pai, acenando de uma área ao ar livre no terminal de dois cômodos.
Tim e eu havíamos vindo encontrar meu pai e sua namorada, Robin, que haviam parado aqui durante uma viagem do Panamá a Belize em um veleiro de 13 metros. Eles já estavam ali há quase um mês antes de chegarmos nessa ilha de oito quilômetros de extensão, um trecho montanhoso de terra de que nunca havia ouvido falar até semanas atrás. Perto de 240 quilômetros do país mais próximo ao continente - a Nicarágua, não a Colômbia -, Providencia tem uma cidade de verdade, com cerca de cinco mil habitantes, e um sistema de trânsito baseado em um pequeno elenco de Leonardos: homens (e uma ou outra mulher) que circulam pela ilha, pegando passageiros segundo a conveniência do motorista.
Na noite de abril em que montamos na traseira da motocicleta de Leonardo, Tim e eu estávamos indo ver uma rinha de galos; nosso piloto, suando na camisa branca de botões abertos, estava indo à igreja. Nós despertamos naquela manhã em nossa casa temporária, Coyote, o veleiro de dois mastros e duas cabines de fibra de vidro que meu pai comprara 20 anos atrás, e passamos o dia procurando praias solitárias e ilhas minúsculas as quais exploramos de caiaque, barquinho inflável, snorkel e pé de pato.
Foi uma viagem apertada: de três adultos espremidos em uma motocicleta compacta, de dois casais coabitando em um espaço não muito maior do que um trailer médio e de Tim e eu dividindo atrapalhadamente o único caiaque verde-limão que o Coyote tinha no convés. Do barco, nós remamos para a borda sudoeste de Santa Catalina, ilha tão pequena que é praticamente um apêndice de Providencia _ conectadas por uma passarela de madeira, pintada em um tom brilhante, sobre o canal raso. Nós passamos ao lado da Virgem Maria, que divide o topo do morro com canhões castigados pelo tempo da época dos piratas em um forte em ruínas construído no século XVII por piratas para defender o posto avançado; levamos o caiaque até a praia e, depois de nadar em uma praia rochosa e cheia de algas, e quase fomos até Morgan's Head, famosa formação rochosa da ilha na entrada do amplo porto de Catalina.
Foi um dia exaustivo e satisfatório, mas tendo ouvido que o grande evento semanal - a rinha de galo em Gallera Pata Suave - aconteceria naquela noite, eu não queria perder. No final da tarde, depois do jantar preparado no veleiro, Tim e eu levamos o barquinho para a praia. A pouca distância, banhados pelo laranja pálido do pôr-do-sol flamejante, viam-se sobrados de madeira com sacadas pintadas em tons desbotados de ovo de Páscoa de azul, verde e amarelo.
Da água, a cidade se agachava contra uma topografia encurvada em chamas - um cenário montanhoso, dourado pela seca. Ao contrário de sua vizinha ilha irmã, San Andrés, que tem toda a característica de um grande centro de compras duty-free (e é mesmo), Providencia não tem hotéis de concreto de vários andares nem camelôs vendendo badulaques feitos na China.
Na Old Providence, a raiva pela perda da área de pesca, as tradições e o idioma raizal estavam quase à flor da pele em abril, seis meses depois que uma decisão do Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, deu um terço do território marítimo do arquipélago à Nicarágua. Anunciada após uma longa disputa, a sentença foi devastadora para os ilhéus, para quem a pesca é uma atividade econômica e um estilo de vida. Como me disse Luz Livingston, antiga radiojornalista, "nós nascemos no mar. Vivemos no mar. O que podemos fazer sem o mar?"
Durante nossa visita, ventos fortes de primavera nos fizeram nos afastar da barreira de recifes do arquipélago - uma das maiores do Caribe -, assim ficamos mais perto da praia, mergulhando de snorkel nos recifes menos impressionantes perto da costa. Eu boiava na superfície, atônita com o orbe cor de mostarda que crescia no fundo arenoso três metros abaixo, lembrando a parafina escorregadia de um abajur lava dos anos 1970. Quando o sol saía de trás de uma nuvem no céu, o orbe se revelava como a cabeça do coral que se tornava tão brilhante quanto um girassol, com padrões saltando de sua superfície, misteriosos feito as linhas de Nazca no Peru.
No final da nossa viagem, meu pai, Robin, Tim e eu alugamos motocicletas. Já havíamos circulado pela ilha duas vezes antes - primeiro de "mula" (versão rústica de um carrinho de golfe, que meu pai alugara para nos buscar no aeroporto) e depois na traseira do táxi de Leonardo. Nossa gangue de motoqueiros bronzeados de sol e usando sandálias rodava vagarosamente, parando onde uma vista, uma loja ou uma estrada vicinal nos chamava a atenção. No começo da trilha para a Baía Almond, havia um gazebo com forma de polvo gigante, com os tentáculos enrolados para cima, criando bancos desconfortáveis. Ao longo do íngreme caminho calçado com tijolos para a pequena praia de areia da baía, víamos azulejos pintados à mão com afirmativas tais como "o ambiente é o futuro, respeite-o". "Hora livre para pensar, sonhar e ler", dizia outro.
Então, no antepenúltimo dia de nossa viagem, nós sabíamos que não deveríamos esperar movimento em Providencia. A ilha é um lugar onde o maior festival anual acontece em junho, quando os caranguejos negros emergem do chão como um enxame de cigarras, abrindo com clique-cliques o caminho das tocas no morro para o mar, brecando o trânsito e inundando as casas. Longe de serem considerados uma peste, os caranguejos são protegidos por guardas armadas e celebrados com música, voltas para casa e uma corrida a cavalo. Passávamos a noite mantendo uma conversa divagante em uma cabine que balançava.
O que não quer dizer que não tentamos encontrar animação, mas toda tentativa deu com os burros n'água. No começo da visita, meu pai, Tim e eu queríamos ver a banda ao vivo no Roland Roots Bar, na ponta sul de Providencia, na Baía Manzanillo. De Santa Isabel, imploramos para sermos levados em um dos poucos táxis de quatro rodas da ilha. Quinze minutos e US$ 20 depois, fomos deixados em uma praia selvagem a barlavento, onde uma bandeira rasta nos saudava. Havia pouca gente. Três horas e quatro cervejas depois, sentamos em bancos de bambu debaixo de telhado de sapé enquanto tocava "Red Red Wine", do UB40, o fogo queimava e nosso anfitrião cochilava em uma sede atrás do bar. A banda de reggae que viemos ver não apareceu.
- Seria assim se você for ver uma rinha de galos e os galos não aparecessem - afirmou meu pai. Como sempre, ele tinha razão.
Mais tarde, quando Leonardo, Tim e eu finalmente chegamos ao local, vimos a arena escura e vazia. Um desenho de galo cacarejando em uma parede azul empoeirada foi o único lutador que veríamos naquela noite. Leonardo perguntou ao homem no outro lado da rua o que acontecera com a rinha. Segundo o homem, os galos foram passar o fim de semana em San Andrés.
Caribe colombiano
Ilha de Providência promete momentos de calmaria e aproximação com a natureza
Cerca de 5 mil habitantes moram no trecho montanhoso de terra, com cenários paradisíacos, no meio do mar
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