Nicholas de Piro não se parece com um monge guerreiro. Enquanto esse avô de óculos caminhava ao redor de seu palácio do século 16, mostrando as curiosidades - como uma liteira adornada e instrumentos médicos feitos de prata -, era mais provável que ele oferecesse uma xícara de chá em vez de degolar alguém em nome de Cristo. Seu palácio é conhecido como Casa Rocca Piccola e está aberto ao público na qualidade de casa histórica.
Ainda assim, a ordem de Piro, os Cavaleiros de Malta (oficialmente Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta), era conhecida pela brutalidade em seu auge, a partir do século 16, até o século 18. Escolhidos entre as famílias mais nobres da Europa, os cavaleiros deixavam suas terras natais, faziam voto de castidade e obediência e se dedicavam a combater os infiéis. A ordem não prega mais a guerra e agora se dedica ao cuidado de pobres e enfermos. Entretanto, até que eu chegasse à porta da casa de Piro, na ilha mediterrânea de Malta, não fazia ideia de que os Cavaleiros de Malta ainda existiam.
A história de Malta - um arquipélago a 80 quilômetros ao sul da Sicília que inclui três ilhas habitadas - é repleta de episódios de violência e desordem. Porém, nos dias de hoje é difícil encontrar um canto no país que não pareça seguro e pacífico. Suas águas cristalinas e azuis são perfeitas para os melhores mergulhos com snorkel ou cilindro na Europa, ao passo que as praias, as enseadas, as planícies áridas e as temperaturas elevadas de Malta atraem há muito tempo os vizinhos do norte em busca de sol, sem gastar muito dinheiro. Ainda assim, a última vez que você viu Malta provavelmente foi em um filme hollywoodiano, no papel de cidades como Atenas, na Grécia (em "Munique"), ou Jerusalém (em "Guerra Mundial Z").
Porém, sob essa superfície de tranquilidade, existe um passado riquíssimo. Malta é uma ilha habitada desde a pré-história e, ao longo dos séculos, esteve sob o domínio de fenícios, gregos, cartaginenses, romanos, bizantinos e árabes, entre outros. Depois de ser conquistada rapidamente por Napoleão na virada do século 19, Malta passou décadas sob domínio britânico, ganhando independência em 1964.
Contudo, o que mais me atraiu até a ilha foi a época dos cavaleiros. A Ordem dos Cavaleiros Hospitalários do São João, fundada durante as cruzadas, se assentou em Malta em 1530 e ficou lá até 1798, um tempo durante o qual deixaram atrás de si uma marca indelével. Os soldados-aristocratas cosmopolitas atraíam artistas e artesãos para suas terras e construíam castelos, catedrais e a cidade de Valletta, que continua a ser a capital agitada do país.
Embora Valletta tenha menos de 1,3 quilômetro de área, a Unesco se refere a ela como "uma das áreas de maior concentração histórica do mundo". E, apesar de sempre estar cheia de turistas, Valletta não tem aquela cara asséptica de museu feito para turistas de alguns bairros históricos. Na hora do rush, os malteses que vão ou voltam do trabalho cruzam uma ponte do século 16 que leva aos bairros que cercam a cidade. À noite eles saem do Teatro Barroco Italiano Manoel, com apresentações de ópera e música erudita, para tomar um café durante o intervalo.
Minha fascinação com os tempos idos dos cavaleiros de Malta inclui inevitavelmente o confronto épico entre civilizações que aconteceu em 1565, quando os cavaleiros enfrentaram a maior força bélica do momento, o Império Otomano do sultão Solimão, o Magnífico. O sangrento Grande Cerco de Malta foi a batalha máxima entre a cruz e a crescente pelo controle da região. Uma das fortalezas mais importantes de Malta, o Forte São Ângelo, fica bem em frente ao Grande Porto, com vista do pátio do meu hotel, a poucos metros de distância.
Ao sair para caminhar pelas ruas de Valletta, ficou claro que eu estava na cidade construída pelos cavaleiros. O sistema de ruas inteligente construído por seu arquiteto - Francesco Laparelli (ex-assistente de Michelangelo) - há centenas de anos continua praticamente intacto e é impossível se perder. Fachadas barrocas, muitas das quais com varandas de madeira, enchem as ruas, com degraus de pedra que servem para ajudar os pedestres a caminharem pelas ruas cada vez mais íngremes. O Forte São Elmo, em formato de estrela, que caiu nas mãos dos turcos no início do Grande Cerco, é um monumento impressionante.
As novas edificações quase sempre são construídas com as mesmas pedras calcária cinza, amarela e rosa que o resto da cidade, atribuindo-lhe uma consistência elegante ao longo da metrópole. Até mesmo o projeto em fase de construção que o famoso arquiteto Renzo Piano criou para a entrada de Valletta - incluindo o novo parlamento, uma ópera restaurada e um portão que lembra um zigurate da Mesopotâmia - foi feito a partir de dois tipos de pedra calcária típicos de Malta.
Para entender melhor como a geografia afetou a história de Malta, peguei um táxi aquático que me levou para conhecer o Grande Porto. Esse braço de mar de 3,2 quilômetros, com suas margens escarpadas, foi o lar dos sonhos de inúmeras potências navais. Atualmente, em suas águas passa de tudo - de barcos a remo de madeira colorida, conhecidos como "dghajsa", com proas curvadas que lembram os antigos fenícios, aos barcos-balada, que durante as noites de fim de semana são alugados para a realização de festas. Do meu deque no British Hotel, com uma vista incrível para o porto, dava para escutar o putz-putz da música que vinha da água para se juntar ao badalar dos sinos.
Esse som gentilmente abafado e as águas plácidas escondem o passado brutal da ilha de Malta. Em um domingo de manhã, em junho de 1565, apenas um mês após o Grande Cerco, os corpos de quatro cavaleiros, decapitados e pregados a cruzes, chegaram à margem do Forte São Ângelo. Sem tremer frente ao presente enviado pelo comandante turco Mustafa Pasha, Jean Parisot de la Valette, grão-mestre dos cavaleiros, decapitou todos os prisioneiros turcos e usou canhões para atirar suas cabeças do Forte São Ângelo até o porto.
Durante meu passeio pelo porto, contei ao menos quatro grandes fortificações que se podia avistar - além do Forte São Ângelo, há os fortes Ricasoli, São Elmo e São Miguel. E eu vi as paredes íngremes de Valletta sob um novo ângulo, 58 metros acima em seu ponto mais alto, onde os Jardins de Barrakka oferecem ao conquistador uma vista de toda a área. E isso é exatamente o que todos estavam em busca: um porto bem defendido no meio de um mar agitado.
O táxi aquático me deixou perto do Forte São Ângelo, e eu pensei naquelas cruzes flutuantes enquanto caminhava pelas amplas ruas medievais que rodeiam a cidade, chamadas tanto Birgu, quanto Vittoriosa. O forte está passando por uma grande restauração (e voltará a ser aberto para o público em 2015), por isso fui conversar com o curador, Matthew Balzan, em seu escritório temporário, em uma rua estreita no Palácio do Inquisidor.
No escritório de Balzan, descobri que o forte que eu observava do outro lado da água era um bolo de camadas históricas. As primeiras menções registradas a respeito dele datam do século 13, mas as origens do forte são obscuras. É possível que os romanos tivessem construído um templo no local.
- Reza a lenda que o forte foi construído pelos árabes ou pelos normandos, mas não sabemos ao certo - afirmou Balzan.
Embora os cavaleiros tivessem apenas 8 mil ou 9 mil homens durante o Grande Cerco do século 16, a força otomana que chegou a Malta contava com ao menos 30 mil homens, entre os quais 6,3 mil eram janissários, combatentes temíveis treinados desde os sete anos de idade. Ainda assim os otomanos perderam. Os historiadores culpam os erros táticos, entre eles enviar um grande número de soldados para o Forte São Elmo antes de ir à busca do Forte São Ângelo, estrategicamente mais importante. Balzan repetiu algo que o comandante turco teria dito:
- Se a filha nos custou tanto, que preço teremos que pagar pela mãe?
De armaduras brilhantes a barcos em miniatura, de torres de observação à reencenação de batalhas, um mergulho completo na Malta dos cavaleiros poderia deixar um fã obsessivo ocupado por meses.